Título: A crise política ainda se chama Renan Calheiros
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Fonte: Valor Econômico, 14/09/2007, Opinião, p. A12

O presidente do Senado, magnânimo, fez divulgar uma nota oficial, depois que o plenário da Casa o absolveu da acusação de ter usado dinheiro de uma construtora para financiar despesas com uma filha nascida fora do casamento, afirmando: "Não guardo mágoas, nem ressentimentos". Talvez não seja este o caso dos 35 senadores que, mesmo sob voto secreto, optaram pela sua cassação por falta de decoro parlamentar; não deve certamente ser o das pessoas a quem ameaçou da tribuna; e não é o dos brasileiros que assistem, estupefatos, esse espetáculo deprimente. Nessa ópera bufa que durou longos 98 dias, Renan reuniu ingredientes variados, como provas de inocência que não convenceram nem a Polícia Federal, ameaças diretas ou veladas a companheiros de Senado e o uso do poder político que lhe é conferido pela presidência da instituição para coagir, negociar e premiar aqueles que iriam julgá-lo.

Se, como argumentou o senador Aloizio Mercadante (PT-SP) para justificar sua abstenção na votação, a Comissão de Ética não produziu provas de que o dinheiro da mesada da ex-amante de Renan tinha como origem uma construtora - esse seria a quebra do decoro parlamentar em julgamento -, a forma com que o presidente do Senado agiu durante todo o processo, por si só, constituiu uma total falta de modos. E, é necessário lembrar, em boa parte do tempo teve a colaboração valiosa da bancada aliada ao governo e, em especial, do seu PMDB. Mas, se esse argumento técnico moveu todos os que se abstiveram na votação de anteontem, eles serão obrigados a votar pela sua cassação nos três processos que se sucederão a este - dois já tramitando e uma representação ainda por ser analisada. Os documentos apresentados por Renan à comissão para se defender da primeira acusação sequer convenceram a Polícia Federal: eles não provavam que a mesada de sua ex-amante era paga por uma construtora, mas são evidentes as irregularidades nos negócios do senador. Renan acabou se tornando seu principal acusador nos demais processos.

Se o governo de fato ajudou Renan a sair dessa, como apuraram todos os jornais, azar o do governo. O presidente do Senado não manifesta qualquer intenção de se afastar do cargo. Afinal, ele está convencido de que foi o seu poder, como presidente da instituição, que o salvou da cassação - e está certo quanto a isso. Se em quase três meses de desgaste diário por conta de artimanhas engendradas em seu gabinete para arquivar a primeira representação contra ele - esta que foi acatada pela Comissão de Ética e votada anteontem - Renan não demonstrou nenhum tipo de grandeza, é improvável que seja tomado de súbita generosidade agora e se afaste do cargo para enfrentar os outros processos em curso.

É difícil apostar que Renan tenha força e credibilidade para continuar presidindo a instituição. Mesmo salvo da cassação, ele ainda é um presidente sob suspeição - e, embora tenha obtido os votos de quase a metade de seus pares contra a sua expulsão, o senador, sozinho, não será capaz de reunir os dois terços dos votos da Casa para aprovar a CPMF, por exemplo - só para citar uma urgência do governo no Senado. Renan foi eleito, em fevereiro, pelos votos de 51 dos 81 senadores. Anteontem obteve o apoio direto dos 40 que votaram contra a sua cassação, e indireto dos seis que se abstiveram. Para aprovar a CPMF, seriam necessários os votos de 49 senadores. Como o Executivo conseguirá essa façanha com o Senado sob a presidência de um político que radicalizou as divisões na Casa é um mistério. Negociação e radicalização são duas coisas que não combinam.

A reação primeira de senadores de seis partidos, inclusive alguns da base aliada - PSDB, DEM, PDT, PSB, PMDB e PSOL - foi a de criar uma frente para acabar com sessão e voto secretos nas votações para cassação de mandatos dos senadores. Pretendem ainda que se aprove um outro projeto, instituindo o afastamento automático de senadores que ocupem cargos em comissões, na mesa diretora e no Conselho de Ética quando for aberta contra eles uma investigação por quebra de decoro parlamentar. Além disso, é de se esperar a obstrução das sessões que ele presidir. O governo pode ter agradado a uma boa parcela do PMDB, que botou na lista de exigências para compor a sua base aliada a absolvição de Renan. Agora, que amargue as conseqüências.