Título: Portos receberão o maior investimento da União desde 1995
Autor: Vanessa Jurgenfeld, Daniel Rittner e Francisco Góe
Fonte: Valor Econômico, 28/01/2005, Empresas &, p. B5

Os portos brasileiros deverão receber em 2005 o maior fluxo de investimentos públicos dos últimos dez anos, totalizando R$ 637 milhões, para obras de infra-estrutura. A aplicação integral dos recursos ainda está condicionada ao decreto do governo que estabelece os cortes orçamentários e será divulgado nas próximas semanas. O Ministério dos Transportes trabalha com a perspectiva de algum bloqueio das verbas, mas dada a prioridade anunciada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva às obras de recuperação da infra-estrutura do país espera ser uma das pastas menos prejudicadas. Cerca de 35% dos investimentos previstos para este ano provêm da mudança que o governo negocia com o Fundo Monetário Internacional (FMI) para a metodologia de cálculo do superávit primário. As discussões devem estar concluídas até abril, segundo a equipe econômica, e o Ministério dos Transportes ganhou uma previsão de orçamento adicional de R$ 2,1 bilhões para aplicar em infra-estrutura. Desse total, R$ 226 milhões serão destinados aos portos.

A estratégia do governo é concentrar os investimentos deste ano em recuperação e modernização das instalações portuárias, deixando a expansão da capacidade para 2006. Os recursos serão aplicados majoritariamente em serviços de dragagem, na recuperação de pátios e em melhorias na infra-estrutura viária que dá acesso aos terminais portuários. Também ganhará prioridade a implementação total do ISPS Code nos portos brasileiros até o fim do primeiro trimestre. De acordo com o secretário-executivo do Ministério dos Transportes, Paulo Sérgio Oliveira Passos, cerca de R$ 20 milhões serão investidos neste ano para completar a implantação do código. Levantamentos do ministério apontam que 80% das obras relativas ao ISPS Code no porto de Santos já estão realizadas. Em Salvador, os serviços executados chegam a 70%. Os maiores investimentos nessa área, para 2005, estão programados para Santos (implementação do sistema de segurança portuária, no valor de R$ 9,5 milhões) e para a Companhia Docas do Rio de Janeiro (R$ 15 milhões no total). Um dos responsáveis pela Agenda Portos, programa que envolve as pastas dos Transportes, Fazenda, Planejamento, Desenvolvimento e Agricultura e identificou os gargalos logísticos do país, João Aparício dos Santos diz que 11 portos do país receberão a maior parte dos recursos por representarem 90% das exportações brasileiras. "Estamos investindo o minimamente necessário para garantir uma boa atuação", comentou. De acordo com o coordenador geral do Departamento de Programas de Transportes Aquaviários, Édison Vianna, todos os portos que receberão recursos da União, terão que dar contrapartida de investimentos. Vianna explicou que a divisão de recursos obedeceu ao critério de importância do porto para o país, necessidade maior de investimentos aliada a poucos recursos próprios disponíveis. O setor privado considerou positiva a intenção do governo federal de aumentar os investimentos na infra-estrutura portuária, mas manifestou preocupação no sentido de que os recursos sejam usados de acordo com o previsto: "Esperamos que a administração dos recursos seja feita pela Casa Civil por meio da Agenda Portos, porque senão corremos o risco de o dinheiro se perder nos labirintos da burocracia", advertiu Wilen Manteli, presidente da Associação Brasileira dos Terminais Portuários (ABTP). Ele teme que parte dos recursos termine sendo usada pelas companhias Docas, as autoridades portuárias ligadas ao Ministério dos Transportes, para o pagamento de dívidas trabalhistas. Os investimentos oriundos do projeto-piloto desenhado pelo governo para utilização dos recursos que iriam para o superávit primário terão um mecanismo de monitoramento específico, como parte da prestação de contas ao FMI. Os gastos serão pulverizados em 19 programas. A maior aplicação individual será de R$ 42,5 milhões, para serviços de dragagem em Santos. Este será o porto que receberá os maiores investimentos em 2005. Manteli avaliou, segundo informações que obteve junto ao governo, que a Agenda Portos irá fazer o controle sobre a destinação dos investimentos. Para Manteli, ao liberar mais recursos para investimento em obras de dragagem e para melhoria de rodovias e ferrovias nos acessos aos portos, o governo permite ao setor privado focar-se na super-estrutura, ou seja, na compra de equipamentos para movimentar cargas e na construção de novas instalações, como armazéns e silos. Só para manutenção da dragagem, há necessidade de retirar 50 milhões de metros cúbicos de terra do fundo dos canais de acesso dos principais portos do país num investimento de R$ 150 milhões, disse Manteli. A ABTP também entende que para complementar o esforço do governo na infra-estrutura, com contrapartidas de investimentos pelo setor privado, é preciso resolver indefinições no marco regulatório dos portos. As entidades que representam o setor privado avaliam que existe um conflito entre a lei de modernização portuária, instituída em 1993, e normas editadas pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq). Sérgio Salomão, presidente da Associação Brasileira dos Terminais de Contêineres de Uso Público (Abratec), informou que a entidade irá entrar na Justiça Federal do Rio questionando dispositivos da resolução 55 da Antaq, que trata sobre arrendamentos. Entre esses dispositivos, ele aponta cláusula que retira do terminal a exclusividade sobre o cais e outra que obriga a repactuação do contrato sob risco de não renovação da concessão, além de interferências na relação comercial privada (terminal-cliente), pondera. A Abratec já tinha entrando na Justiça contra esses pontos da norma anteriormente, mas não teve sucesso. "A indefinição regulatória pode inviabilizar novos investimentos", diz Salomão. De 2005 a 2007, a Abratec prevê investimentos de US$ 160 milhões nos seus dez terminais associados, mas o desembolso dependerá da situação regulatória. O tema levou a Abratec a enviar carta à Internacional Finance Corporation (IFC), braço do Banco Mundial para financiamentos ao setor privado, alertando o organismo sobre as incertezas com a questão regulatória no setor. A IFC é financiadora de projetos de terminais portuários no país. Em 2004, os terminais ligados à Abratec movimentaram 3,5 milhões de contêineres, número que deve chegar a 4 milhões em 2005. O secretário-executivo do ministério observa que a idéia da pasta é atacar os gargalos imediatos do sistema portuário para trabalhar sobre "obras estruturantes", voltadas para ampliação dos berços e expansão dos portos, a partir de 2006. "Passamos muitos anos sem dragagem e os problemas foram se acumulando", afirma Passos. Os investimentos terão acompanhamento pessoal do ministro Alfredo Nascimento, que organizou um calendário de viagens para percorrer todos os principais portos. O primeiro a ser visitado é Santos, na segunda quinzena de fevereiro. "Não vamos brincar em serviço", conclui o secretário.