Título: Gestão descentralizada é motor da internacionalização da Odebrecht
Autor: Vieira, André
Fonte: Valor Econômico, 17/09/2007, Empresas, p. B1

A Odebrecht Engenharia e Construção tem um jeito simples e peculiar de administração. Se um determinado diretor-superintendente quiser abrir uma rede de supermercados em Angola, sua decisão não é modificada. Caso outro executivo decida apresentar proposta por um preço baixíssimo em uma licitação visando, mais adiante, um segundo projeto no mesmo país, sua ordem é acatada. É assim que as coisas funcionam há décadas na tradicional construtora: a arte de delegar.

O modelo vem sendo cuidadosamente mantido, reforçado e aprimorado nos últimos cinco anos desde que o representante da terceira geração da família assumiu a presidência da Construtora Norberto Odebrecht, a CNO. "Em qualquer organização se o presidente tem uma conversa com o diretor e chega-se a um impasse, a decisão é do presidente. Na nossa organização, a decisão é do diretor. A palavra final é dele", diz Marcelo Bahia Odebrecht, de 38 anos.

É fácil encontrar um mapa-múndi nas paredes do escritório-sede da Odebrecht, em São Paulo. Havia um exposto no fundo da sala de reuniões onde Marcelo atendeu ao Valor, numa tarde quente e seca, típica deste fim de inverno (o ar condicionado mal dava conta do recado), para falar sobre o modelo de gestão que tem ajudado a ampliar a presença da Odebrecht em obras internacionais diante do 'boom' por que passa o setor de engenharia e construção no mundo.

Mapeando o quadro de obras fora do Brasil, a Odebrecht administra projetos e pessoas de 20 nacionalidades, cinco religiões que falam mais de duas dezenas de línguas. Nos cinco anos em que Marcelo está à frente da construtora, a Odebrecht entrou em quatro mercados: República Dominicana, Panamá, Líbia e Emirados Árabes Unidos. "Nos dois primeiros mercados, temos hoje contratos de US$ 1,4 bilhão. Não consegui isso no Brasil."

Nos projetos em carteira, estão pontes e metrô na Venezuela, obras na Bolívia, terminais de aeroporto, estádio e casa de espetáculos de Miami, na Flórida, além da reconstrução do Iraque e as obras do canal de New Orleans, devastada pelo furacão Katrina. Na lista também aparece a construção de navios-plataforma e plataformas na Inglaterra para operar no mar do Norte e no Golfo do México. A empresa também ganhou contratos para o projeto do terceiro rodoanel de Trípoli, na Líbia, responderá pela segunda pista do aeroporto de Abu Dhabi, nos Emirados Árabes, e está liderando também um consórcio para a obra de ampliação do canal do Panamá. No Equador, a Odebrecht está há 20 anos e conviveu com 11 presidentes.

Quando Marcelo assumiu, a carteira de projetos representava cerca de US$ 3 bilhões, mantendo o nível histórico da construtora. Um ano atrás, o valor havia subido para US$ 4,8 bilhões. "Temos hoje em carteira US$ 13,5 bilhões e a expectativa é a gente virar o ano com mais de US$ 20 bilhões", aposta. A receita bruta esperada para este ano é de US$ 4 bilhões, acima dos US$ 3,5 bilhões do ano passado. Nos últimos cinco anos, a receita cresceu anualmente 30%. Desde 1979, quando a Odebrecht começou sua internacionalização em obras no Peru, foram acumulados quase US$ 21 bilhões de receitas.

A Odebrecht está no meio de um ciclo longo de crescimento dos investimentos em infra-estrutura. "O mundo inteiro investiu muito pouco em infra-estrutura nos últimos 20 anos, não é uma realidade só brasileira", discorre. Nos últimos anos, houve um crescimento exponencial do comércio obrigando os países a investirem mais em infra-estrutura para escoar a produção de commodities, diz. Essas exportações injetaram mais dinheiro nos países que tinham por muito tempo evitado gastos com infra-estrutura. A redução dos juros também viabilizou empreendimentos imobiliários.

A estratégia da Odebrecht foi entrar em cada país desde que encontrasse oportunidades de manter-se por longo prazo. Isso se intensificou nos últimos tempos. "Não queremos cliente de uma obra só", diz. "Vou privilegiar os clientes com quem temos uma relação mais duradoura." Ele diz que o fato de estar atuando há muitos anos nestes países também contribuiu. "Na hora em que esses países começaram a investir em infra-estrutura, nossa empresa foi a escolha natural. O que fez a diferença foi o investimento de 20 anos desde que chegamos a estes países"

Marcelo Odebrecht diz que a chave da administração deste modelo se deve ao fato de que cada um dos diretores delegados se sente chefe do próprio negócio. Para gerenciar as atividades mundo afora, a Odebrecht montou uma estrutura que reúne, hoje, 19 diretores-superintendentes (no código interno da construtora, eles são conhecidos como DS). São profissionais de décadas de empresa, formados em sua grande maioria nos canteiros de obras, que atuam nos chamados mercados delegados, que podem ser tanto países ou regiões ou simplesmente negócios. Fora eles, quase outra dezena de executivos atuam nas áreas de apoio da organização. "Quantas empresas você conhece em que o presidente tem quase 30 pessoas ligadas a ele?", questiona.

Ele explica que o DS tem condições de avaliar melhor a situação que o presidente porque está justamente na ponta, junto ao cliente. "Quando o cliente percebe que pode resolver todos os problemas com o executivo, ele não precisa falar comigo", diz Marcelo, que prossegue dando o seguinte exemplo: "Um executivo entrega uma proposta de US$ 2 bilhões no Peru. Se tiver um erro de 10%, são US$ 200 milhões em prejuízo. Eu não tenho condições de avaliar daqui um erro deste tamanho; não adianta."

Marcelo conta que o executivo tem total autonomia para tomar a decisão e assumir a responsabilidade por ela. "A Odebrecht não teria condições de atuar em todos os países em que atua se não tivéssemos a tranqüilidade de saber quem é a pessoa que está lá." O empresário observa que, para funcionar, o modelo precisa basear-se na confiança das pessoas. "Tão ou mais importante que a competência profissional, é o alinhamento à nossa cultura. Tudo se aprende, menos a ter caráter. Caráter vem do berço ou não vem."

A cultura que faz com que a empresa forme executivos desde cedo tem trazido limites para o crescimento da Odebrecht. "Diante do 'boom', a primeira coisa que começa a faltar são as pessoas", afirma. A estratégia passa longe de capturar os talentos de outras construtoras. "Como nosso sistema é baseado na confiança, é difícil a gente adquirir empresas", diz. Ao comprar a CBPO em 1981, a Odebrecht deixou a posição de construtora regional, da Bahia, e deu início a sua expansão em obras hidrelétricas, despontando como a maior do setor. Cinco anos depois, comprou a Tenenge, dando acesso à tecnologia de projetos industriais.

"A integração destas empresas à nossa filosofia demorou anos e anos para acontecer", diz. Contrariando alguns modismos corporativos, Marcelo parece radical: "não temos sistemas de TI sofisticados. Somos absolutamente contra as auditorias internas que ferem a nossa cultura", afirma. A empresa tem mudado um pouco a regra, mas para contratar gente fora da prata-de-casa tem buscado recomendações e sugestões de quem já é conhecido. "A gente não costuma contratar headhunter."

Formado em engenharia civil na Universidade Federal da Bahia, em 1991, com MBA no IMD em Lausanne, na Suíça, em 1996, Marcelo entrou como estagiário na Organização Odebrecht, em 1992. Era engenheiro de produção em obras como a da hidrelétrica de Corumbá, em Goiás. Seus colegas dizem que usava apenas os dois primeiros nomes: Marcelo Bahia. Trabalhou na Inglaterra e EUA antes de voltar ao Brasil para responder pela área de investimento em química e petroquímica, na época em que a Odebrecht venceu o leilão (julho de 2001) da Copene, que daria origem à Braskem. Ele preside a construtora desde 2002.

Marcelo é apontado como o sucessor natural para assumir a presidência executiva da holding, a Odebrecht S/A, que controla, além da construtora e da Braskem, a ETH Bioenergia, recém-constituída empresa de açúcar e álcool. A expectativa dos dirigentes do grupo é que ele deva ocupar o comando executivo do grupo até o fim desta década ou início da próxima. Marcelo não parece ter pressa. "É algo tranqüilo. Vive-se um momento único com as três gerações convivendo simultaneamente", diz o empresário. "A primeira geração teve o foco de criar e perpetuar; a segunda, a missão de crescer, e a terceira, de sobreviver", afirma.