Título: Com emprego e renda, massa salarial sobe 10% em 2006
Autor: Chico Santos
Fonte: Valor Econômico, 17/09/2007, Brasil, p. A3

O forte aumento da demanda que vem sendo percebido pelo varejo está amparado no impressionante aumento da renda disponível para consumo. Em 2006, aumento de emprego e de renda combinaram-se para elevar a massa salarial do país em 9,8%. Esse crescimento decorreu da combinação de um aumento real de 7,2% no rendimento médio mensal dos trabalhadores e na criação de 2,1 milhões de novos empregos ou ocupações, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) de 2006, divulgada sexta-feira pelo IBGE.

Em 2006, o aumento médio da renda embute um ganho expressivo nos menores salários (mais de 12% nas faixas próximas ao mínimo), mas também uma importante (acima de 6%) recuperação para a classe média, considerando rendas mensais superiores a R$ 1 mil.

O governo tem muito a comemorar com o resultado da PNAD. No último ano do primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva os dados foram todos muito favoráveis, a começar pela renda real média do trabalho (R$ 888), que ultrapassou os R$ 857 de 2002, último ano do governo Fernando Henrique Cardoso - embora o número ainda fique ainda abaixo dos R$ 975 de 1996, segundo ano do governo FHC, quando a renda iniciou uma trajetória de queda só revertida a partir de 2005.

Embora a renda média geral tenha perdido 8,9% em dez anos, os números mostram um importante movimento de desconcentração. O rendimento médio real dos 50% mais pobres da população passou de R$ 267 em 1996 para R$ 293 em 2006, um aumento de 9,7%. Para a gerente da PNAD, Marcia Quintslr, o aumento real do salário mínimo tem papel importante na desconcentração, mas pode haver outros fatores, como a própria melhoria da atividade econômica.

Oa números mostram também que a população ocupada do país teve em 2006 acréscimo de 2,1 milhões de pessoas, chegando a quase 90 milhões, com um aumento de 2,4%. Em 2005 o aumento sobre o ano anterior havia sido de 3,4%. O número de trabalhadores com carteira assinada ainda representa apenas cerca de um terço da força de trabalho, mas teve acréscimo de 1,3 milhão de pessoas em um ano, chegando a um total de 30,1 milhões, um crescimento de 4,7%.

Para Marcio Pochmann, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) os números foram positivos, apesar da política econômica "conservadora" do primeiro mandato de Lula. "Algumas teses dos anos 1990 caíram por terra", diz ele. A primeira, foi a de que o emprego estava em extinção. O segundo mito, segundo ele, foi o de que a legislação trabalhista rígida era um obstáculo intransponível ao aumento do emprego formal. "O emprego tem variáveis, como o crescimento da economia, mais importante do que a regulação pública", disse Pochmann, sem descartar a necessidade de aperfeiçoamentos na legislação.

Pochmann disse que os resultados da PNAD derrubam outra tese recente, a de que o fim do efeito provocado pela introdução do programa Bolsa Família iria interromper o processo de redução das desigualdades. Certo de que o segundo mandato será marcado por uma política de desenvolvimento mais enfática do que o primeiro, Pochmann acha que, "em termos de perspectiva, é possível dizer que há condições de melhorar o que foi obtido no primeiro mandato".

Embora melhor distribuído entre as classes sociais, o ganho de renda ainda é muito desigual entre as regiões. Um estudo concluído recentemente por Pochmann, mostra que a região Centro-Oeste é, ao lado da região Norte, a de maior dinamismo econômico entre as cinco regiões brasileiras. Mas os dados da PNAD de 2006, revelam também que esse crescimento, impulsionado pelo agronegócio, ainda é insuficiente para reduzir de forma significativa a desigualdade de renda no chamado Eldorado brasileiro.

A desigualdade como um todo no Brasil cai em ritmo contínuo, mas muito lento. O Índice de Gini para a distribuição da renda do trabalho das pessoas ocupadas (quanto mais próximo de zero menos desigual), passou de 0,580 em 1996 para 0,541 no ano passado, segundo os dados da PNAD. No Centro-Oeste, o índice foi o mesmo do país em 2006, vindo de 0,585 dez anos antes. O resultado da região só é melhor do que o do Nordeste, que passou, no mesmo período, de 0,603 para 0,565. O Sudeste tem índice de 0,523, o Norte (só urbano), 0,504 e o Sul, 0,502.

Quando a variável para medir a desigualdade é a renda domiciliar, o Centro-Oeste tem o pior Gini, com 0,543 (0,581 em 1996), diante de 0,539 do Nordeste, e 0,528 da média nacional. Na origem da liderança negativa do Centro-Oeste estão o Distrito Federal e o modelo do agronegócio concentrado na grande propriedade.

Após ressalvar que o Ipea só deve divulgar uma análise da PNAD de 2006 na próxima semana, Pochmann disse ao Valor que, segundo seu estudo, embora cresçam bem acima da média geral, tanto o Centro-Oeste como o Norte convivem com elevadas taxas de desemprego e com ganhos de produtividade que não são repassados aos salários, apesar de a renda do trabalho ser alta, por serem regiões de fronteira econômica, marcadas por fortes fluxos migratórios.

"O crescimento da força de trabalho termina impedindo que os ganhos de produtividade sejam repassados", disse. Segundo ele, essa característica acaba sendo decisiva para o modelo agropecuário da região, cuja competitividade depende do baixo custo da mão-de-obra. Como cana e soja não abrem espaço para empregos de classe média, esse modelo é indutor de forte polarização (da renda), ou seja, da abertura do fosso entre ricos e pobres, avalia. "É o modelo anti-Santa Catarina", resume outro estudioso dos fenômenos do trabalho e renda, o economista carioca André Urani, diretor do Instituto de Estudos do Trabalho e da Sociedade (Iets). (Colaborou Denise Neumann, de São Paulo)