Título: PT e governo pagarão um preço alto
Autor: Cristiane Agostine
Fonte: Valor Econômico, 17/09/2007, Política, p. A9

Brasílio Sallum: "Deficiências na educação acabam impactando na dimensão do caso" O poder do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre o Senado ficou patente com absolvição do presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL). Mas tanto o governo quanto o PT deverão pagar o preço por essa articulação: se bem capitaneada pela oposição, poderá virar mais um capítulo da quebra do partido com seus compromissos históricos e poderá afastar militantes de esquerda nas próximas eleições. Para o professor livre-docente Brasílio Sallum Jr, do departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo, o PT foi o que mais perdeu nessa história. Está cada vez mais parecido com os partidos tradicionais e afundou de vez a idéia de "refundação".

"Tradicionaliza-se e assim, se afasta da militância", diz o professor, experiente pesquisador da conjuntura política e das relações entre Estado e governo. De tendência ideológica mais próxima aos tucanos, o professor analisa que o PT perdeu força e tornou-se submisso às decisões de Lula. "O PT cada vez mais se subordina a quem está no poder, ao poder Executivo e cada vez mais fica dependente da imagem do Lula. Vai ser um baque quando o Lula não for mais o candidato. A dificuldade será enorme. O Lula pensa em coalizão, não em PT. Ele tem um comportamento adaptativo em relação ao sistema. Ele se amolda a esse sistema, que lhe dá poder. Mas para o PT essa atitude dos senadores foi um baque, especialmente na militância."

A pressão social sobre o governo poderia ser ainda maior, diz o professor. Entretanto, a blindagem de Renan pelo presidente Lula e seus aliados não teve maior impacto porque a discussão política, de forma mais aprofundada, ainda é restrita a uma parcela da população com acesso à informação. "Os negócios públicos não têm espaço na mídia eletrônica. Onde isso é feito? Nos jornais. Só que eles são lidos por uma minoria. Quem compra jornal no Brasil? As nossas deficiências na educação acabam impactando na dimensão de um caso como esse do Renan", afirma. Para ele, a "preocupação com os negócios públicos é um tipo de preocupação que depende de ter acesso à mídia que produz discussão". E complementa dizendo que é diferente ter acesso só à televisão, porque a televisão "não é um centro de discussão dos negócios públicos".

Ainda que a crise política no Senado não seja discutida diretamente pela maioria da população, o desgaste dos parlamentares na opinião pública "certamente aumentou". Sallum acredita que as denúncias contra Renan não cessarão e atenta que o governo não está blindado. "O ponto principal é saber se isso vai espirrar no governo. Pode ter um impacto bastante negativo, porque ficou clara a manifestação para salvar Renan". A tentativa do governo de controlar os parlamentares pode gerar um descontrole. E vai depender do papel da oposição e de sua capacidade de "produzir eventos".

Quando existe um fator que permita evitar a cobrança dos eleitores, como o voto secreto, a pressão popular é esvaziada ainda mais. "Ninguém pode dizer ao certo quem votou em quem. Quando a opinião pública pressiona, como com as enquetes feitas por jornais, os senadores mentem. Mas no plenário, abrigados pelo sigilo do voto, eles não tinham a preocupação com a pressão pública." Na análise de Sallum, a tímida pressão social também atrapalha os trabalhos da oposição - que hoje depende do apoio da mídia. "Os opositores dependem muito da posição da mídia como elemento de comunicação entre eles e a classe média", analisa. "A oposição é muito fraca".

Com ou sem boicote da oposição aos trabalhos no Congresso, a crise política no Legislativo está longe de acabar. Na análise de Sallum, o Senado é dependente do governo e a situação que o governo criou vai produzir muita dificuldade adiante. "Isso indica a fragilidade, a pouca autonomia que os poderes têm, depende muito da presidência. E está vinculado ao sistema eleitoral".

Sallum prega a necessidade de reforma política, mas em relação ao tema ele não é nada positivo. "Nenhum presidente fez a reforma política porque não interessa. A eles interessa manter as coisas como estão", diz. "O presidente tem a coragem de defender um senador que está com quatro processos de improbidade, monta uma maioria para defendê-lo e não tem a coragem para definir uma proposta de reforma política. Porque interessa ao governo Lula preservar seu poder no Senado."