Título: Beneficiado pelo voto secreto, Renan enfrentará Supremo
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 17/09/2007, Opinião, p. A12

O senador Pedro Simon (PMDB-RS), em entrevista depois que o plenário do Senado rejeitou o pedido de cassação de seu presidente, Renan Calheiros (PMDB-AL), considerou que o voto secreto, nesse caso, poderia produzir efeitos opostos: contra Renan, uma vez que estariam protegidos pelo segredo do voto aqueles a quem ele, seu partido ou o governo eventualmente ameaçassem com retaliações; ou, ao contrário, proteger aqueles que, independentemente da orientação de seus partidos e sem se expor à opinião pública, quisessem absolver o senador. "Infelizmente ocorreu a segunda hipótese", lamentou o pemedebista, que se recusou a referendar a aliança feita pelos líderes e dirigentes do PMDB com o governo Lula no Congresso.

O voto secreto nas sessões em que as duas Casas do Congresso julgam seus pares entrou em pauta. Esse tipo de proteção não chega a contrariar a história constitucional brasileira. O voto secreto era usado para proteger os parlamentares nas votações de pedidos de abertura de processo contra os deputados ou senadores feitos pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que sempre teve essa prerrogativa, ressalvados os chamados crimes de opinião, nos quais os mandatos eram (e voltaram a ser) invioláveis. A ditadura militar iniciada em 1964 interrompeu a tradição, ao instituir o poder de cassação de parlamentares, por ato institucional, pelo Executivo. Permaneceu quase como um penduricalho o artigo da Constituição de 1946 que definia a imunidade.

A Constituição de 1988 repôs com toda pompa e glória o artigo que definia que "os deputados e senadores são invioláveis no exercício de seu mandato, por suas opiniões, palavras e votos" e condicionava a prisão e os processos criminais contra membros do Legislativo à prévia licença da Casa a que pertencesse. Era a vitória da democracia e a emancipação da instituição dos laços que o mantinham submisso ao Poder Executivo. Mas a realidade é dura e a política brasileira, apesar dos tempos heróicos de resistência à ditadura, sempre abrigou indistintamente honestos e desonestos, pessoas retas e criminosos. Não deve ser muito diferente em outros países, mas aqui a imunidade total tornou-se um chamariz também para bandidos de alta periculosidade - como Hildebrando Pascoal, que se elegeu deputado pelo Acre para livrar-se de processos vários, inclusive por assassinato com requintes de crueldade, como o esquartejamento de vítimas com serra elétrica. Em 2001 o próprio Congresso reviu a imputabilidade penal do parlamentar. Deputados e senadores continuam invioláveis por suas opiniões, palavras e votos, mas o STF pode receber denúncias contra eles por outros crimes, processá-los e julgá-los. A cassação por "quebra de decoro parlamentar" também foi uma medida pretensamente auto-saneadora. Esse instituto deveria permitir à Câmara e ao Senado livrarem-se daqueles cujo Conselho de Ética tivesse julgado agir impropriamente e comprometer a imagem da instituição. Veio junto o voto secreto dos senadores (e também dos deputados) para julgar processos aprovados pela Comissão.

Renan Calheiros acabou sendo beneficiado pelo voto secreto. Vai ser atingido, no entanto, pela outra decisão tomada pelo Congresso em 2001, de não condicionar à aprovação da Casa a que pertence a aceitação de denúncias contra ele pelo STF. O tribunal autorizou o procurador-geral da República a abrir inquérito para investigar irregularidades em sua movimentação financeira, e também a acusação de que teria comandado o lobby para facilitar o contrato entre o Ministério da Previdência e o BMG para que o banco operasse o crédito consignado para aposentados. A PF apura se ele é o verdadeiro proprietário de emissoras de rádio e televisão em Alagoas e se esconde atrás de um testa-de-ferro.

O ministro Celso Melo, do STF, avaliou que o Legislativo está perdendo a referência de seu poder de auto-saneamento. O voto secreto contribuiria para isso. "O ideal seria que, à semelhança do que ocorre no Poder Judiciário (...), as votações se processassem de maneira aberta e transparente. O cidadão tem o direito de saber como se comportam, como agem e como decidem não apenas seus representantes políticos, mas todos os agentes do Estado". Em relação a Calheiros, a melhor aposta é que isso ocorrerá apenas quando o STF julgar o senador.