Título: Eventuais compras do BB terão de passar pelo Cade
Autor: Basile, Juliano ; Alex Ribeiro
Fonte: Valor Econômico, 17/09/2007, Finanças, p. C3

Se o Banco do Brasil levar a cabo as compras dos bancos públicos de Brasília, Piauí, e de Santa Catarina, terá de se submeter à aprovação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) do Ministério da Justiça.

O procedimento de julgamento começaria com um parecer do Banco Central relatando a concorrência nos mercados e o impacto das aquisições do Banco do Brasil frente a outras instituições. Em seguida, o Cade faria o julgamento dessas operações, podendo, inclusive, recomendar a imposição de restrições, como a venda de ativos ou a retirada de cláusula contratuais que impeçam o desenvolvimento de competidores locais.

No início do ano, o Banco do Brasil divulgou fato relevante ao mercado financeiro comunicando que estuda a incorporação do Banco do Estado de Santa Catarina (Besc), que foi federalizado após receber um socorro financeiro do Tesouro.

Depois, foram anunciados os estudos para a compra do Banco Regional de Brasília (BRB), controlado pelo governo do Distrito Federal, e do Banco do Estado do Piauí (BEP), também federalizado. Há rumores sobre possível incorporação do Banco do Nordeste (BNB) e até da Caixa Econômica Federal (CEF).

Essas operações são vistas no governo como estratégicas para o Banco do Brasil manter a liderança de mercado. Tradicionalmente, os bancos privados cresceram por meio de fusões e aquisições, enquanto o BB se expandia de forma orgânica, pela abertura de agências e aumento da base de clientes.

De forma geral, o Banco Central não vê com preocupação a concentração no sistema financeiro. A autoridade monetária argumenta que o índice de concentração do sistema bancário no país é relativamente moderado, quando comparado com outras economias.

O julgamento de fusões bancárias não era uma preocupação até o último dia 29, quando o Tribunal Regional Federal (TRF) de Brasília decidiu que cabe ao Cade a análise de processos de concentração econômica no Sistema Financeiro Nacional. Com essa decisão, o Banco Central passará a observar no detalhe cada operação.

Do ponto de vista nacional, o avanço do BB sobre os bancos estaduais terá efeitos limitados. O BB detém 16% dos ativos do sistema financeiro. O BRB e o Besc detém uma fatia de cerca de 0,2% dos ativos, e o BEP, 0,01%. Mas as aquisições vão ampliar ainda mais as redes de agências do BB em três Estados em que o banco já predomina, garantindo um controle privilegiado de canais de distribuição. Também vão fazer o BB avançar ainda mais no cobiçado mercado de empréstimos consignados para funcionário públicos estaduais.

Os dados do BC mostram que, no DF, existem 317 agências, das quais 91 são do BB. O segundo banco com mais agências no DF é justamente o BRB, com 52. Os grandes bancos de varejo privados, Bradesco e Itaú, têm 31 e 33 agências, respectivamente. Se o BB ficar com o BRB, vai controlar 45% das agências no DF. Em contrapartida, se um banco privado levasse o BRB, teria uma rede grande o suficiente para se contrapor à supremacia do BB.

A concentração bancária, pelo critério de agências, seria mais intensa em Santa Catarina. Das 870 agências do Estado, 200 são do BB e 248 do Besc. Juntas, essas redes representam 51% das agências do Estado. Uma questão importante é se, após incorporar o Besc, o BB vai manter a estrutura separada do ex-banco estadual. O BB diz que isso só será definido na última etapa do processo de incorporação. Em 143 municípios, há tanto agências do BB quanto do Besc. Pelo menos 53 agências do BB são vizinhas de quarteirão de agências do Besc. O Bradesco tem 115 agências em Santa Catarina, e o Itaú, 33.

No Piauí, o BB já é líder, com 58 agências, de uma rede total de 117 instalada no Estado. O BEP tem apenas 7 agências. De qualquer forma, se a operação for concluída, o BB passará a ter 55,5% das agências. A presença do Bradesco (oito agências) e Itaú (duas) também é pequena

Uma fonte do BB pondera que as agências bancárias não são o único canal de distribuição de produtos financeiros. Em Brasília, por exemplo, o Banco do Brasil sofre forte concorrência no crédito consignado de bancos que trabalham com agentes de créditos que abordam funcionários nas repartições públicas - conhecidos como "pastinhas". Um dos setores mais dinâmicos de crédito é o de financiamento de veículos, disputados nas concessionárias.

Essa fonte sustenta que a incorporação dos bancos públicos vai contribuir para acirrar ainda mais a competição, já que o BB está entre as instituições que cobram juros mais baixos no sistema financeiro. Dados do BC mostram, por exemplo, que no final de agosto o BB cobrava 2,98% ao mês médios nas operações de crédito pessoal, ante 5,27% do Itaú e 4,63% do Bradesco.

No BB, também se argumenta que a instituição age em políticas de interesse do governo, como crédito agrícola - que podem contribuir para o desenvolvimentos dos Estados.

A decisão do TRF foi tomada no julgamento da compra do banco BCN pela Bradesco. Até então, prevalecia no Judiciário o entendimento de que as fusões bancárias deveriam se submeter apenas à regulação do BC. Esse entendimento foi consolidado num parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) assinado em 2001 pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso. Na época, o Cade começava a julgar fusões bancárias e, com o parecer, se retraiu. João Grandino Rodas, que presidia o órgão antitruste, passou a seguir o texto referendado por FHC alegando de que se tratava de um parecer normativo que vinculava a Administração Federal. Outros conselheiros foram contrários a essa tese. Mas, o parecer deu força jurídica aos bancos para não notificarem as suas fusões ao Cade.

A situação começou a mudar em julho de 2004, quando a economista Elizabeth Farina assumiu a presidência do Cade. Ela acredita que o setor financeiro não está excluído da Lei de Defesa da Concorrência (nº 8.884), que prevê a análise do Cade para fusões e aquisições em todos os setores da economia.

Agora, com a decisão do TRF o órgão antitruste ganhou força jurídica para cobrar multas dos bancos que não apresentaram as suas operações. As multas vão de R$ 6 mil a R$ 6 milhões e serão cobradas retroativamente, contabilizando todas as fusões bancárias não notificadas nos últimos cinco anos.

O Cade defende que o julgamento de negócios entre bancos deve seguir o mesmo rito no caso de setores regulados por agências. As agências fazem pareceres enfatizando como ficará a competição setorial com uma determinada fusão e o Cade aprova ou não o negócio.