Título: Capitais emergentes viram caçadores no 1º Mundo
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 17/09/2007, Internacional, p. A 11

As multinacionais dos países ricos podem ter sido pioneiras nas fusões transnacionais, mas o mais recente capítulo da globalização está sendo escrito por uma nova geração de empresas de lugares como Rússia, China, Brasil e Oriente Médio com apetite por aquisições no mundo desenvolvido.

A Companhia Vale do Rio Doce adquiriu a mineradora canadense de níquel Inco Ltd., enquanto um fundo de investimento do Qatar comprou recentemente a rede de supermercados britânica J. Sainsbury PLC e a taiwanesa Acer Inc. assumiu o controle da fabricante americana de computadores Gateway Inc.

Essas transações representam uma mudança fundamental em relação a poucos anos atrás, quando quase todo o fluxo dos investimentos ia do mundo desenvolvido para o em desenvolvimento. Este ano pode ser o primeiro na história em que empresas e fundos de investimento de países em desenvolvimento gastam mais em fusões e aquisições no mundo desenvolvido do que vice-versa.

A tendência pode acelerar-se depois da recente turbulência nos mercados de crédito. O aperto no crédito freou o frenesi de aquisições liderado pelas multinacionais e firmas de private equity dos países ricos nos últimos três anos.

É claro que o grosso dos negócios transnacionais continua a ocorrer entre empresas com sede no mundo industrializado. Mas muitas empresas de países em desenvolvimento têm fácil acesso a grandes fontes de capital a custo relativamente baixo em seus mercados locais de dívida, o que lhes permite intensificar sua onda compradora.

"Os tradicionais 'caçadores' estão sem caixa no momento, por isso têm de ficar atentos a essa turma que apareceu em cena", diz Joseph Quinlan, estrategista do Banc of America Capital Management.

Segundo a Dealogic, empresas dos países em desenvolvimento completaram US$ 14 bilhões em aquisições nos países desenvolvidos em 2003. Este ano, até o momento, o valor já chegou a quase US$ 128 bilhões, em comparação com US$ 130 bilhões que empresas dos países desenvolvidos gastaram em compras na outra direção. Quinlan acredita que até o fim do ano a balança penderá pela primeira vez na outra direção.

O que alimenta boa parte desse aumento são os chamados fundos de riqueza soberana, dinheiro acumulado e administrado por governos. Recheados de petrodólares, os braços de investimento de Kuwait, Arábia Saudita, Dubai, Abu Dhabi e Qatar detêm juntos um valor estimado em US$ 1,5 trilhão. Esses fundos estão procurando diversificar com investimento em mais ativos estrangeiros.

A recente compra da Sainsbury, por exemplo, foi feita pela Delta (Two) Ltd., uma subsidiária da Delta Commercial Properties LLP, um fundo criado pela Autoridade de Investimento do Qatar. Esse novo grupo de compradores com freqüência tem como alvo indústrias básicas como as de petróleo, mineração e outras como siderúrgica e de autopeças, que são bem estabelecidas no mundo em desenvolvimento e cujos produtos estão em grande demanda em seus países nativos. Em alguns casos, elas querem obter controle de recursos naturais escassos nas mãos de empresas dos países ricos. Em outros, querem mão-de-obra qualificada e acesso a tecnologia.

Muitos desses compradores pagam caro por isso. As ações da Acer caíram depois que ela anunciou, no mês passado, sua oferta de US$ 710 milhões pela Gateway, que representou um ágio de 57% sobre a ação da companhia americana pouco antes da transação.

Frank Yeary, diretor mundial de fusões e aquisições do Citigroup Inc., diz que forças poderosas se juntaram nos últimos quatro anos, dando às empresas de mercados em desenvolvimento mais poder de compra. Uma delas é o fato de as ações terem subido muito nesses países -- o que aumenta a riqueza das empresas, ainda que elas não usem suas ações como moeda direta para completar fusões nos países ricos.

Ao mesmo tempo, nos últimos 12 a 18 meses, grandes empresas de países como Rússia, Índia e Brasil tiveram "acesso significativamente maior a capital do que em qualquer momento de sua história", diz Yeary.

Economistas dizem que essa polinização cruzada é saudável, já que injeta capital novo em setores muitas vezes maduros e ajuda a fazer com que a economia global fique ainda mais integrada. Roger Kubarych, economista-chefe da Unicredit Global Research, parte do banco italiano Unicredit Group, diz que as empresas de países em desenvolvimento ajudam a disseminar novas tecnologias.

"Há uma imagem de que as empresas que crescem e prosperam no mundo em desenvolvimento são de mão-de-obra intensiva e baixa tecnologia", diz. "Mas, de fato, as bem-sucedidas estão usando a melhor tecnologia disponível e comportam-se como outras empresas globais." Ele cita o exemplo da mexicana Cemex SAB, que tem processos de produção de ponta, automatizados, nos quais as altas temperaturas na fabricação do cimento servem simultaneamente para queimar detritos perigosos.