Título: Setor privado pede plano de contingência
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 28/09/2007, Brasil, p. A6

Cresce, aos poucos, a pressão do setor privado para que o governo adote um plano de contingência na área energética. Mais que o temor de um apagão nos próximos anos, a preocupação está voltada para a falta de regras na ocorrência de um novo racionamento. Ou seja, o quanto cada um precisará economizar numa emergência. "Isso não significa dizer que haverá racionamento. Mas é fundamental ter uma regulamentação com antecedência para deixar clara a contribuição de cada agente", diz Cláudio Sales, presidente do Instituto Acende Brasil, que reúne os maiores investidores privados em energia elétrica do país.

Números atualizados do instituto apontam que o risco de racionamento é de 22%, em 2011, caso sejam respeitadas três premissas: expansão anual de 4,8% do PIB, novas usinas sem atraso no cronograma oficial e pleno cumprimento do acordo entre Petrobras e Aneel, para o aumento progressivo da oferta de gás.

Winston Fritsch, diretor do Lehman Brothers e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, endossou a cobrança. "Como o risco (de racionamento) é recorrente, por causa do regime hidrológico, não há nenhum problema em ter um plano de contingência", disse, lembrando que a fonte hídrica é base da matriz elétrica brasileira. Para a operação do sistema, tolera-se um risco de até 5%, de forma permanente. "A elaboração desse tipo de plano é uma prática consagrada de 'risk management' no setor privado e não há razão para o governo não ter o seu", disse, no seminário organizado pela Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Energia (Apine), em Brasília.

O ex-ministro Luiz Carlos Mendonça de Barros provocou frisson na platéia, formada por executivos de empresas e técnicos do governo, ao dizer que "a mentalidade do setor elétrico no Brasil ainda é soviética". Mendonça referiu-se à obsessão, do governo e do setor privado, em resolver os desafios de abastecimento de energia por meio de grandes projetos - como as hidrelétricas do rio Madeira e de Belo Monte, além da usina nuclear de Angra 3. "Os soviéticos só conseguiam fazer omelete com ovos de avestruz", ironizou.

Para ele, o país precisa diversificar sua matriz, com apostas na biomassa e em pequenas centrais hidrelétricas (PCHs). "Teremos que ter mais ovos de codorna", sugeriu Mendonça de Barros, sem menosprezar a importância das usinas de maior porte.

Segundo ele, o governo não admite, mas percebeu o risco de apagão e decidiu colocar nos últimos leilões usinas movidas a óleo combustível, mais caras e poluentes, como solução para evitar o pior. Para reverter essa situação e viabilizar o crescimento das fontes alternativas, acrescentou, é preciso ter mais flexibilidade nos preços máximos permitidos para a geração. Mendonça de Barros disse que acredita que essas mudanças ocorreram. "A perspectiva de apagão é uma realidade. E nada melhor do que o governo com a faca no pescoço. Isso geralmente lhe dá um ataque de lucidez."

O presidente da Apine, Luiz Fernando Vianna, afirmou que a entidade apresentará ao governo, em cerca de 30 dias, estudo com propostas para regulamentar um eventual racionamento. Vianna disse que não aposta muito nessa possibilidade, mas considera imprescindível ter regras prévias para saber quem pode pagar a conta, e como, mais adiante. No primeiro semestre, a Apine entregou ao Ministério de Minas e Energia uma proposta de criação de "reserva estrutural" nos leilões de energia. Uma forma de diminuir as chances de déficit no abastecimento.

Hoje a oferta das geradoras nos leilões preenchem, sem folga, a demanda apresentada pelas distribuidoras de energia. A Apine sugere a criação de uma reserva de aproximadamente 1.500 megawatts (MW) médios. Os geradores construiriam os empreendimentos necessários para garantir esse volume de energia e receberiam por isso, mas a eletricidade ficaria descontratada, à disposição do mercado em caso de imprevistos. (DR)