Título: Para BC, ritmo da demanda já traz riscos maiores à inflação
Autor: Ribeiro, Alex
Fonte: Valor Econômico, 28/09/2007, Brasil, p. A3

Ruy Baron/Valor Mario Mesquita, diretor do BC: alimentos não são único foco de pressão As projeções de inflação do Banco Central estão confortavelmente abaixo das metas de 2007 e de 2008, o que em tese significa que há espaço para novos cortes na taxa básica de juros, atualmente em 11,25% ao ano. Mas o BC indica que, em um ambiente de economia aquecida, não confia cegamente nas projeções inflacionárias de seus próprios modelos matemáticos e, por isso, acena com cautela nos juros.

As projeções inflacionárias foram divulgadas ontem no relatório trimestral de inflação de setembro. No chamado cenário básico, que assume como pressuposto uma Selic inalterada em 11,25% ao ano e uma taxa de câmbio estável em R$ 1,95, o BC projeta uma inflação de 4% em 2007 e de 4,2% em 2008. Os percentuais estão abaixo da meta de 4,5% estabelecida para ambos os anos. Haveria, por isso, espaço para cortar os juros.

Em tese, os juros poderiam cair além do esperado pelo mercado financeiro. O BC usa no seu relatório dados anteriores à mais recente reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), realizada em 4 e 5 de setembro, quando os analistas do setor privado projetavam uma Selic de 11% no fim de 2007 e de 10% no término de 2008. Caso esse cenário se confirme, a inflação ficará em 3,9% em 2007 e em 4,3% em 2008, abaixo das metas anuais.

As projeções de inflação embutem riscos, que se tornaram maiores, na visão do BC. "O ritmo de expansão da demanda doméstica, que ainda não reflete a totalidade do estímulo monetário injetado na economia, coloca riscos não desprezíveis para a dinâmica inflacionária", afirma o relatório de inflação do BC.

O diretor de Política Econômica do BC, Mário Mesquita, chamou a atenção ontem, na divulgação do relatório, para o fato de que os cortes na taxa Selic levam nove meses para chegar à inflação, quando transmitidos pelo canal da atividade econômica. E que os efeitos continuam mesmo nos trimestres seguintes. Desde setembro de 2005, o BC reduziu a Selic em 8,5 pontos percentuais, dos quais 1,75 ponto nos últimos nove meses.

Além dos estímulos monetários, diz o relatório, a demanda é puxada ainda pela expansão do emprego e renda, além dos gastos correntes, investimentos e das transferências governamentais, como benefícios previdenciários e programas sociais.

O BC reconhece que a capacidade de oferta da economia está crescendo, graças à aceleração dos investimentos ocorrida a partir de 2006. Mas pondera que a economia chega perto do limite. Mesquita lembrou que a inflação se acelerou em fins de 2004, quando a utilização da capacidade instalada da indústria atingiu níveis semelhante aos atuais (82,5% em julho). "O crescimento do investimento é importante, mas foi insuficiente para evitar uma aceleração do uso da capacidade instalada", afirmou.

Ele pondera que o ritmo dos investimentos se intensificou no segundo trimestre de 2007, crescendo 13,8% em relação a igual período de 2006, o que atenua um pouco o risco de descompasso entre oferta e demanda. Segundo ele, a hipótese central das projeções do BC é justamente de que a aceleração dos investimentos vai ampliar a capacidade em magnitude suficiente para atender a forte demanda. "É por isso que teríamos a inflação próxima do centro da meta em nossas projeções", afirma o diretor

Mesquita frisa, contudo, que o forte aquecimento da demanda já repercute na aceleração da inflação - ou seja, os riscos se tornaram um pouco mais concretos. Em junho, quando foi publicado o relatório de inflação anterior, as projeções do BC eram mais favoráveis. Esperava-se inflação de 3,5% e de 4,1% para 2007 e 2008, respectivamente. Boa parte dos analistas econômicos atribui a aceleração da inflação à alta dos preços de alimentos. Esse é um fator importante, mas não o único, diz Mesquita.

"Há um certo aquecimento da economia, que favorece o poder de fixar preços das empresas", disse. Uma evidência disso é que os aumentos de preços estão se tornando mais disseminados desde o terceiro trimestre de 2006. É o que sugerem, afirma o relatório, a aceleração dos núcleos de inflação, dos índices de difusão do IPCA (quanto maior a difusão, mais produtos estão tendo os preços majorados), dos preços dos serviços e dos preços industriais no atacado.

A alta dos preços de alimentos, por si só, afirma o relatório, é um evento que merece grande atenção da política monetária. Preços como alimentos e energia têm grande visibilidade entre a população e acabam tendo efeitos desproporcionalmente importantes sobre a formação de expectativas inflacionárias.

Outros indicadores de utilização da capacidade instalada bastante citados pelo relatório são os relativos a emprego e salário. Os serviços, diz o BC, estão assumindo participação cada vez mais importante dentro do Produto Interno Bruto (PIB) e do IPCA. "O mercado de trabalho tem acompanhado o crescimento da produção nos seus diversos indicadores, como taxa de desemprego, número de ocupados, rendimento nominal e real, massa salarial e reajustes salariais", afirma o relatório de inflação. "Ainda persistem pressões importantes sobre os preços dos bens não comercializáveis, em especial nos preços de serviços."

O cenário externo também se tornou, a partir de junho, menos favorável para a dinâmica inflacionária, depois da crise internacional desencadeada pela inadimplência nas hipotecas americanas. "Não se pode de fato descartar que uma debilitação mais intensa da economia mundial venha a ocorrer", afirma o relatório. Isso teria dois tipos de implicação para o Brasil. De um lado, conteria a elevação dos preços das commodities, reduzindo esse foco de pressão inflacionária. De outro lado, reduziria o espaço para as importações atenderem à demanda. O BC acelerou o ritmo de corte nos juros em junho e julho porque acreditava que as importações poderiam abastecer o mercado.

O relatório de inflação manteve em 4,7% a projeção para o crescimento do PIB em 2007. A expansão dos investimentos é agora estimada em 9,6%, ante 8,5% previstos em junho. A expansão do consumo do governo passa de 3% para 3,6%; e o das famílias, de 6,1% para 6%; as exportações, de 5,3% para 5,7%; e as importações, de 18,8% para 18,4%. Pelo lado da oferta, a expansão da indústria é revista para cima (4,4% para 4,6%), o crescimento esperado dos serviços se mantém em 4,3% e a projeção para a agropecuária cai (de 7% para 4,5%).