Título: Efeito Renan dilui-se na disputa dos grotões
Autor: Agostine, Cristiane
Fonte: Valor Econômico, 17/09/2007, Política, p. A9

Roberto da Silva, empresário, candidato a prefeito de Buritis (RO): "A cidade indo adiante os meus negócios vão bem" O assunto estava na capa dos principais jornais, nas rádios e nos telejornais. Nas rodinhas de bar e nos pontos de táxi. Mas a absolvição do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), passou ao largo da sala de um hotel, na zona sul de São Paulo, onde estavam reunidos candidatos e assessores, de 14 Estados, que discutiam estratégias para as eleições municipais de 2008. Dois dias depois daquela que foi descrita como uma das grandes tragédias da política dos últimos tempos, protagonistas anônimos da próxima disputa eleitoral desprezavam o impacto político da crise moral sobre as urnas.

Daqui a um ano, eles disputarão prefeituras e Câmaras Municipais. Mas já na última sexta-feira, enquanto Renan ainda comemorava sua permanência no cargo, candidatos e assessores políticos diziam que seus eleitores estão mais preocupados com o posto de saúde de seu bairro e a linha de ônibus que serve à sua comunidade do que em saber como e por que o presidente do Senado foi blindado.

Filiado ao PSB de Barueri, região metropolitana de São Paulo, o vereador e cientista político Gatti tinha sua explicação sobre o por quê desses escândalos não afetarem eleitores, nem preocuparem os candidatos. "Na disputa municipal, o que se leva em conta é se a rua está bem asfaltada, se a merenda escolar é boa. Não são os escândalos nacionais. O que pode ficar disso é a sensação de que todos os políticos são iguais", diz o vereador.

No intervalo do curso de "Estratégia e marketing político para campanha eleitoral", Marcelo Jorge (PTC), 30 anos, candidato à prefeitura de Godofredo Viana, cidade de 13 mil habitantes no interior do Maranhão, limitou-se a dizer que sentia vergonha de o PMDB de Roseana Sarney ter lutado pela absolvição do presidente do Senado. E logo em seguida partiu para aquilo que julga mais importante: os elogios à Roseana, "que asfaltou e sinalizou as estradas de seu município".

Os candidatos relataram que não são só os escândalos nacionais que não chegam às rodas de discussão de seus municípios. Relacionam essa indiferença ao divórcio entre a atuação nacional dos partidos e sua influência nos diretórios municipais. Atribuem as filiações aos mais diversos motivos.

Há três meses Osterlaine Henriques Alves filiou-se ao PP para concorrer em 2008 ao cargo de vereadora de Birigüi, no interior paulista. A escolha do partido "não teve nada de ideologia" e, sim, um motivo familiar: "Cresci ouvindo meu pai e meu irmão falando do (Paulo) Maluf. Sei que ele apronta como todos, mas eu tinha que fazer uma escolha e resolvi entrar no partido dele", explica a médica, de 38 anos. No lugar do PP poderia ter sido o DEM ou até mesmo o P-Sol. Pouco importa: "As pessoas vão votar no candidato, não no partido. Assim como a sociedade impõe uma religião, um posicionamento político , ela impõe um partido".

A ideologia partidária também não foi o motivo que levou Marcelo Jorge a escolher o PTC - "O mesmo partido do Clodovil", destaca- para disputar a prefeitura de Godofredo Viana. Formado em Direito, ele trabalha como tabelião de um cartório e entrou no partido pelas mãos de um tio, prefeito no interior maranhense. "Mas me identifico com o partido, que é sério, evangélico, e dá credibilidade à minha imagem."

A falta de experiência na política é minimizada tanto por Osterlaine quanto por Marcelo. "Só estando lá dentro da política mesmo para saber como são as coisas", diz Osterlaine. "É como em outras profissões: tem que começar do nada para ter experiência. E na campanha a imagem é tudo."

O que é mais importante nas eleições municipais do que o partido, a ideologia defendida por eles e as questões nacionais? "A imagem", repetiam os participantes do curso. "O eleitor não está interessado na ideologia. O candidato que insistir em falar disso vai falar para as paredes", diz Francisco Ferraz, cientista político e coordenador do curso.

Presidente da Câmara Municipal da paulista Itápolis e em seu terceiro mandato como vereador, Fernando Travensolo, do DEM, contesta o esvaziamento do debate político da disputa: "Isso não limita o debate ideológico, mas o candidato é a estrela".

Candidato à prefeitura, ele reconhece que os gastos de sua campanha devem crescer mais de 60% e, por isso, prega o combate à corrupção como lema de campanha. Para combater a corrupção no governo, defende: "Não se pode trabalhar com comparsas. É melhor ter mais técnicos na administração. Tem de ter comprometimento com a cidade. Não pode atrair esse tipo de gente", afirma. "E tudo começa na campanha. Tem de ter uma arrecadação transparente, sem corrupção". Para ele, o financiamento eleitoral pelo "caixa dois", comandado pelos partidos, não vai mudar tão cedo porque é praticado 'pelos mesmos' que o fizeram nas outras eleições: "Não adianta: quem foi eleito com recursos de caixa dois não vai mudar isso e é só ver na Câmara, no Senado. Eles ainda estão lá".

O financiamento de campanha parece não ser a maior preocupação de Roberto Mauro da Silva, de 37 anos, candidato à prefeitura de Buritis, cidade de 60 mil habitantes de Rondônia. Filiado há 40 dias no PSDC, o empresário explica que metade dos custos da campanha será financiada por ele próprio e a outra metade ele espera conseguir de seus colegas e amigos empresários. Isso não comprometeria seu mandato com os financiadores? "Não acho que depois vou ter que me comprometer com eles porque a maioria (dos empresários) quer o bem do município. O que pode acontecer é, por exemplo, um posto de gasolina esperar ser beneficiado em uma licitação. Isso é normal, né, vamos precisar comprar gasolina de algum lugar...", afirma Roberto. Em seguida ele faz uma pausa e lembra-se: "Mas tudo dentro da ética."

É no eleitor que o empresário localiza o grande problema da disputa: "Nosso próprio eleitor é muito corrupto. O que se pede para um candidato não está escrito. Eles tentam se corromper, não pensam no bem coletivo. Só querem um bem imediato."

Roberto quer ser prefeito "porque a administração está mal", mas como o eleitor, também tem seus próprios interesses. "Meus investimentos estão na cidade e quero fazer o possível para melhorá-la. Viabilizar recursos para mais empregos, indústria e renda. A cidade indo adiante os meus negócios vão bem."