Título: América do Sul tem fim de ano vermelho
Autor: Moura, Marcos de ;Souza
Fonte: Valor Econômico, 28/09/2007, Internacional, p. A10

A opção contra o livre mercado pode ganhar força neste fim de ano em três países da América do Sul. Os governos da Venezuela, Bolívia e Equador tentam reformular suas Constituições, seguindo, em linhas gerais, um receituário semelhante: maior controle da economia pelo Estado e ampliação da influência do poder Executivo. A Argentina, que elege um (ou provavelmente uma) presidente em outubro, também vem reforçando a participação estatal na economia e a defesa da indústria local.

Críticos acreditam que o rumo das mudanças pretendidas - em especial pelos três países andinos - poderá levar à perda de liberdades individuais, ao desinvestimento e, no longo prazo, a menor crescimento econômico.

Neste domingo, os equatorianos elegem os membros da Assembléia Constituinte; aliados do presidente Rafael Correa devem obter maioria. Na Bolívia, a Constituinte está ameaçada por conta de intensas disputas sobre a transferência ou não da capital de La Paz para Sucre. O presidente Evo Morales insiste que os trabalhos devem ser encerrados até dezembro. Nesse mesmo mês, o Parlamento da Venezuela deverá votar o projeto de reforma constitucional desenhado pelo presidente Hugo Chávez.

No caso do Equador, o ex-ministro da Energia e principal candidato do governo para a Constituinte, Alberto Acosta, disse, sem dar detalhes, que algumas das alterações na nova Carta são a ampliação o papel do Estado na economia e a imposição fortes restrições ao setor privado, em particular nos setores de petróleo e mineração.

"Os vários anos de populismo capitalista estão chegando ao fim com o nosso governo", alardeou o próprio Correa em meados de setembro. Ele promete que a Constituinte acabará de vez com a influência de partidos políticos, acusados por muitos de serem os responsáveis pelas seguidas crises do país. A mensagem repercute bem em parte do eleitorado.

Mas, para Simon Pachano, professor de Ciência Política da Faculdade Latino-Americana de Ciência Sociais (Flacso), no Equador, a Constituinte será instituída sem uma definição clara sobre o que mudar. "Há apenas alguns esboços. Mas, provavelmente, a nova Constituição será menos pró-mercado e mais estatista", disse Pachano. Não se trata tanto de estatizar setores [muitos continuam em mãos estatais, como energia elétrica e telefonia fixa], mas sim de mudar as condições de participação do capital privado, avalia ele.

Na Venezuela, a Constituição proposta por Chávez é muito mais assertiva. Inclui a eliminação da autonomia do Banco Central, ampliação dos poderes de expropriação do Estado e abre de caminho para diminuição da autonomia de governos regionais eleitos, que cedem poder para "conselhos comunais" de cidadãos, a serem criados, que receberiam verba federal e teriam poder de decisão em suas regiões - paralelamente aos prefeitos. E permite a reeleição eterna, mas só para o presidente.

Quanto à liberdade de mercado, críticos como José Enrique Molina, professor de Direito Constitucional e Ciência Política do Instituto de Estudos Políticos da Universidade de Zulia, dizem que o projeto só sedimentará condições já existentes. "A orientação atual do governo já é antimercado. O que mudará é que essa orientação passaria a ter a Constituição ao seu lado."

Na Bolívia, a Constituinte - que Morales definiu como instrumento para refundar o país - não aprovou nenhum artigo em um ano. No próprio governo já há quem defenda o seu fim. Morales também tinha um plano bem definido quando lançou o processo de reforma, que inclui reforma agrária e maiores direitos para a maioria indígena. Mas a aqui também a marca é a oposição ao livre mercado e a submissão das empresas privadas e de todo o processo de desenvolvimento econômico a regras do Estado, diz René Antonio Mayorga, professor de ciência política do Centro Boliviano de Estudios Multidisciplinarios (Cebem).

O ímpeto por mudanças é compreensível. "Há nos países da região um descontentamento com o Consenso de Washington, que não diminuiu a pobreza nem melhorou a distribuição de renda", diz Alberto Ramos, economista sênior para a América Latina do banco de investimentos Goldman Sachs. "Há culpa das elites latino-americanos, que nunca olharam para as camadas mais pobres. Mas o modelo que se propõe agora, de centralização e Estado gestor, já se viu que não funciona. E, se a economia não cresce, vai distribuir o quê?"