Título: CPMF, oposições e o rei Pirro
Autor: Felipe Ohana
Fonte: Valor Econômico, 17/09/2007, Opinião, p. A12

De volta aos nossos tempos, travamos uma batalha contra a CPMF. Acontece que a sua extinção, como determina a Constituição, implica um expressivo impacto sobre as finanças do governo central, uma vez que não houve qualquer preparo para isto. Em 2006, esta contribuição foi responsável por uma arrecadação superior a R$ 32 bilhões, o que equivaleu a 62% do resultado primário e a 37% dos recursos de livre alocação por parte da União, já incluindo a DRU.

Pode-se dizer que o fim da contribuição, sem as pré-condições que evitem o choque fiscal, traz uma característica pírrica à vitória contra a CPMF. É este cenário que ameaça o instinto de sobrevivência política do governo, bem como daqueles com expectativa de poder, sabedores que o antecessor não terá preparado as finanças públicas para lidar com essa renúncia de arrecadação.

A contribuição provisória tem se tornado permanente exatamente por esta razão. Qual governo estaria capacitado para praticar um ajuste fiscal, adicional e intempestivo, de R$ 35 bilhões? Certamente nenhum. Ao mesmo tempo, este quadro descreve o que se pode denominar de vício fabricado. O governo não trabalha as pré-condições fiscais para o término da CPMF e, por não fazê-lo, garante a renovação do tributo.

A estratégia para o fim da contribuição deve se basear num processo que descreva uma transição crível. Ser crível significa que possa ser implantada de imediato, vale dizer, viável. A sugestão essencial é a redução da alíquota, ao longo de um período a ser estabelecido, mas cujo início se daria em 2008. Uma estratégia cuja sustentação está no aumento vegetativo da arrecadação, com outros tributos, como fonte de financiamento da renúncia parcial dos recursos da contribuição. Se não for assim, a eliminação da contribuição fica jogada para 2011, com fortes perspectivas para 2015.

Além da estratégia, há a questão técnica. Sob este prisma, o ponto primordial é representado pelo quadro abaixo. Nele, apontam-se algumas estimativas para a média anual da arrecadação com a CPMF no biênio 2008-2009 (a tabela é mais apropriada para a eliminação da CPMF ao final de 2009), de acordo com a combinação de alíquotas que se deseje.

Na tabela, se a alíquota de 0,38% for mantida, por exemplo, o governo arrecadará R$ 39,1 bilhões por ano, em média, em 2008 e 2009. Ou seja, R$ 78,2 bilhões no próximo biênio. Desta maneira, pode-se dizer, não há dificuldades técnicas e tampouco estratégicas para que o país se livre da CPMF e não tenha que amargar um suspiro de Pirro.

Nos debates mais recentes, surgiram três tipos de posições. A oficial defende o fim da CPMF em 2011. A segunda admite a redução da alíquota, associada com a distribuição da arrecadação com governos locais. A terceira, com o brasão oficial de luta contra a CPMF, defende o fim imediato, não importam as conseqüências.

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A linha oficial é padrão para quem prefere desconhecer os benefícios sociais de uma economia menos distorcida (sem CPMF) e agarrar-se às funções filantrópicas, como se estas fossem a razão primordial da existência de um governo. É curioso como ainda se fazem discursos (e alguns movimentos) em defesa da CPMF, com foco na saúde pública. É de se notar que função saúde (maior beneficiária da CPMF) conseguiu, em 2000 (emenda constitucional 29), o seu quinhão de vinculação. Portanto, os recursos garantidos pela Constituição virão da CPMF ou de qualquer outra fonte, quando a contribuição deixar de existir.

O posicionamento de redução da alíquota com distribuição para outras esferas de governo é ambíguo. Qual o sentido de se iniciar uma nova norma orçamentária para distribuir um volume de recursos que deve tender a zero, segundo a própria postulação? Se não for para extinguir a CPMF, mas para conferir maior "equidade" aos usos dos recursos, esta linha passaria a representar a maior defesa da perenidade da contribuição, bem como uma significativa ameaça para seu aprofundamento.

Esta proposta foi acompanhada de afirmações cambiantes em relação à distribuição dos recursos. Este quadro gerou alguma opacidade a respeito do intuito político dos postulantes, do que resultou desqualificar como "colaboracionistas" todas as posições que discrepassem do lema "Fim da CPMF já".

Houve, assim, uma contaminação ideológica. Tudo que não representasse um mero "não" ao tributo passou a ser rejeitado com base na suspeita de se tratar de um subterfúgio para a renovação e perenidade.

Interessante observar que os adeptos da extinção pura da CPMF são aqueles cujos interesses "político-operacionais" são tênues, eventualmente por estarem afastados da perspectiva de poder. Não obstante, não conseguiram equacionar o problema. Sem uma estratégia contundente e uma técnica consistente, a linha oficial vence. A CPMF fica.

Em suma, a extinção da CPMF requer uma transição, na forma de redução gradual da alíquota, cujo prazo seja longo o suficiente para se evitar o inadministrável choque fiscal, mas não longo o bastante que leve à perda de sua credibilidade. De toda forma, o processo deve ser iniciado em 2008. A tabela ajuda a escolher a alíquota.

A oposição ao tributo identificou-se com a proposta de eliminação da contribuição, sem estratégia de saída. A racionalidade da negociação foi trocada pelo grito de protesto. Restou, à sociedade, o dilema de Pirro.