Título: O futuro dos combustíveis automotivos no Brasil
Autor: Pires, Adriano ; Schechtman, Rafael
Fonte: Valor Econômico, 28/09/2007, Opinião, p. A14
O mercado dos combustíveis automotivos apresentou grandes mudanças nas últimas décadas no Brasil. Nos anos 60, antes dos choques do petróleo, a gasolina era dominante no uso veicular e o Brasil exportava excedentes de diesel. Com isso, a produção de gasolina ocupava 30% da estrutura de refino das unidades da Petrobras e a de diesel apenas 23%, em uma época que o Brasil importava 80% do petróleo. O primeiro choque do petróleo, no início da década de 70, trouxe alterações marcantes nesta estrutura. O governo, preocupado com o impacto do preço dos derivados sobre a inflação, transferiu o aumento do petróleo no mercado internacional somente para os preços da gasolina, subsidiando assim o diesel e o GLP. Essa política incentivou as vendas de veículos médios a diesel, levando a um fenômeno que ficou conhecido como a "dieselização" da frota nacional. Isso obrigou a Petrobras a investir pesado para mudar sua estrutura de refino, investimentos estes que ainda continuam até os dias de hoje. Além disso, o país passou a importar grandes volumes de diesel e a qualidade do ar nos grandes centros urbanos piorou.
Outra medida adotada pelo governo para reduzir a dependência de petróleo do país foi o lançamento do Programa Nacional do Álcool (Pró-Álcool), em 1975. Inicialmente, o governo obrigou a mistura de álcool anidro à gasolina e, diante do segundo choque do petróleo, em 1979, incentivou as vendas dos veículos a álcool hidratado, o que serviu para reduzir ainda mais o mercado da gasolina. A participação do diesel na estrutura de refino aumentou para 31% e a da gasolina caiu para 16%. Ao mesmo tempo, o diesel passou a representar 25% na pauta de importação de derivados de petróleo, enquanto excedentes de gasolina eram exportados. Assim, as décadas de 70 e 80 foram caracterizadas pela perda do mercado de gasolina para o álcool e o diesel. Com a queda do preço dos derivados de petróleo no contrachoque do petróleo, a partir da segunda metade dos anos 80, o álcool começou a perder competitividade frente à gasolina. O golpe final veio com o desabastecimento do produto no final da década, que desacreditou o veículo a álcool. Com isso, a gasolina voltou a recuperar uma parcela do mercado durante os anos 90.
Nos primeiros anos da primeira década de 2000, três fatores trouxeram uma nova fase para o mercado nacional de combustíveis: o retorno dos altos preços do petróleo, a expansão das redes de distribuição de gás canalizado viabilizada pela chegada do gás natural da Bolívia e o surgimento dos veículos flexfuel, um sucesso de vendas atualmente responsável por 80% dos veículos novos. Nesta nova fase houve o aparecimento do GNV, um combustível até então desconhecido do consumidor brasileiro, e o retorno do crescimento do consumo de álcool. Para este último contribuiu ainda a queda de seu preço devido ao aumento de eficiência tecnológica e produtividade agrícola. A diferença nesta nova fase é que a competição entre os três combustíveis se dá na hora do consumidor reabastecer, já que os novos veículos podem utilizar qualquer um deles.
Enquanto a competição dos combustíveis para veículos leves avançou, pouco se fez para reduzir a "dieselização" da frota nacional e seus efeitos sobre a balança comercial de derivados e sobre o meio ambiente. O consumo de diesel nos primeiros sete meses de 2007 cresceu 5% em relação ao mesmo período de 2006, obrigando o país a aumentar em 41% sua importação do produto, com um custo adicional de U$ 1,215 bilhões. Além disso, para fazer face ao aumento da produção doméstica de diesel, foi necessário elevar as importações de petróleo leve, cujo preço é superior ao petróleo nacional em cerca de US$ 13/barril.
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O mercado de álcool deve manter seu crescimento, dado que estão sendo realizados vultosos investimentos para aumentar a produção e garantir o abastecimento. As perspectivas são de que a produção anual de álcool salte dos atuais 16 bilhões de litros para 30 a 45 milhões bilhões em 2020. Com isso, o país encontra-se em uma situação única no mundo, com o privilégio de dispor de um combustível limpo de uso não compulsório, não subsidiado e sujeito às regras do mercado.
Mas o Brasil poderia avançar ainda mais na exploração de suas vantagens comparativas na produção do álcool automotivo. O desafio é reverter o processo de "dieselização" da frota de veículos através da introdução no mercado de veículos médios que utilizem motores flexfuel em substituição aos motores a diesel. Isso permitiria a absorção do crescimento da produção de álcool e uma parcela de gasolina que hoje é exportada, já que se pode prever que no futuro a adoção crescente de biocombustíveis no mundo levará a um excedente no mercado internacional de gasolina. Com isso a indústria sucroalcooleira teria sua expansão garantida com base no mercado interno, sem depender do protecionismo econômico dos Estados Unidos e da Europa.
Políticas voltadas para este fim deveriam ser inseridas em um Plano Nacional de Combustíveis Automotivos, a ser elaborado pelo governo, que crie diretrizes para que a médio prazo o país possua uma matriz de combustíveis que permita segurança de oferta, melhoria das condições ambientais nos centros urbanos e efeitos positivos na balança comercial de petróleo e derivados.
Adriano Pires e Rafael Schechtman são diretores do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura.