Título: Remuneração de executivos entra na mira dos acionistas
Autor: Valenti, Graziella
Fonte: Valor Econômico, 28/09/2007, Empresas, p. B1

O Brasil é um paraíso. E a fama estende-se para além das paisagens naturais. Esse também é o cenário, para executivos e empresas de capital aberto, quando o assunto é divulgação da remuneração dos administradores, tema que provoca furacões nos Estados Unidos. Do ponto de vista dos investidores, o ambiente nacional é pantanoso. Procurar informações requer um mergulho nos documentos da empresa e o resultado obtido é, quase sempre, pouco ou nada transparente. Mas o clima de calmaria para as companhias pode estar com os dias contados. Tanto do lado dos acionistas como do órgão fiscalizador de mercado há disposição para cobrar explicações mais detalhadas.

A presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Maria Helena Santana, disse ao Valor que pretende ampliar a fiscalização desses números. Em sua primeira aparição pública, após assumir o posto, citou o assunto dentro de uma lista de temas que precisariam se adaptar à nova realidade do mercado no país.

"A questão tem que ser vista. O nível atual de informação é insatisfatório." Segundo Maria Helena, o assunto deve entrar em pauta com a revisão da instrução 202, que trata da obtenção e manutenção do registro de companhia aberta e dos documentos necessários para tanto. Apesar não ter um cronograma, o debate doméstico contará com a experiência do mercado externo. "Não erraremos os erros dos outros."

Levantamento do Valor com 29 grandes companhias brasileiras, listadas na Bovespa e na Bolsa de Nova York (Nyse), mostra que o gasto com a administração somou R$ 873,3 milhões em 2006 - uma alta de 10% ante os R$ 795,6 milhões registrados em 2005. Os dados são dos relatórios anuais, conhecidos como 20F, encaminhados ao regulador americano, a Securities and Exchange Commission (SEC). Foram consideradas as empresas listadas na Nyse há mais de dois anos.

Os bancos pagaram os maiores salários e bônus. Do total no levantamento, 48,7% ou R$ 425,4 milhões referem-se aos gastos do Unibanco, Itaú e Bradesco em 2006. No ano anterior, as instituições distribuíram R$ 423 milhões aos seus administradores, ou 53% da soma das despesas das 29 empresas alvo da pesquisa.

Nos Estados Unidos, desde 2001, a SEC endureceu na fiscalização do assunto, após os escândalos contábeis. A concentração da remuneração em agressivos planos de opções foi a principal causa para os balanços inflados com fraudes contábeis, visando a alta das ações na bolsa e o aumento dos ganhos pessoais dos executivos. De lá para cá, as empresas passaram a divulgar a lista dos administradores e a detalhar quanto recebem - em salário, em bônus e em planos de opções.

"Remuneração é o assunto mais quente nos Estados Unidos, em termos de governança", afirma Fernando Carneiro, diretor do The Altman Group, empresa especializada em serviços de relações com investidores. Ele explica que o tema é uma das principais discussões nas assembléias de acionistas daquele pais. "Isso é uma questão de voto. Deixou de ser preocupação só fiduciária e passou a ser econômica também."

No Brasil, porém, o debate ainda é quase gelado. Praticamente não havia cobrança dos investidores. A pouca informação disponível remete a uma pergunta sobre o levantamento de pagamentos feito pelo jornal: o que os números representam?

É comum os executivos terem os ganhos atrelados ao desempenho dos negócios. A estratégia é usada para alinhar o interesse dos executivos ao dos acionistas, incluindo controladores. Planos de opção tem a mesma função, para o longo prazo.

O executivo Fernando Fischer, que assumiu a presidência da Tectoy há cerca de cinco meses, além do salário, terá um bônus atrelado à recuperação dos negócios. Ele diz que seu pacote foi especialmente desenhado para o projeto de recuperação da companhia. Ele assumiu a empresa com patrimônio negativo próximo de R$ 50 milhões e já anunciou um plano estratégico em que a Tectoy terá capacidade para quadruplicar de tamanho e faturar, no longo prazo, R$ 200 milhões anuais.

As discussões sobre remuneração devem ganhar maiores proporções e entrar em voga com a recente disseminação dos planos de opções. Pouco utilizados até dois anos, esse mecanismo teve forte impulso com a elevada quantidade de empresas que abriram capital na bolsa paulista. Edison Garcia, superintendente da Associação de Investidores do Mercado de Capitais (Amec), diz que é preciso dar mais atenção ao assunto para que o país não troque "os desvios dos controladores pelos desvios dos administradores".

Sem tanto fôlego para oferecer salários milionários e atrair executivos de peso, as empresas valeram-se dessa ferramenta na conquista de talentos. Marcelo de Lucca, diretor da consultoria em recursos humanos Michael Page, ressalta que foi um mecanismo de grande importância para as companhias em vias de fazer uma oferta de ações. Com tantas estréias na Bolsa, a procura por bons profissionais aumentou. Ele explica que, em fases de aquecimento de demanda, os benefícios não financeiros têm pouca atratividade. Os profissionais aproveitam a oportunidade para elevar os ganhos.

O momento parece ser de mudanças. Mas, por enquanto, nem mesmo quando se reportam ao órgão mais severo com esse tema, a SEC, as empresas brasileiras dão maiores explicações. Em geral, declaram o gasto absoluto, sem informar quanto cada cargo representa do total para salários e bônus. Não há padronização para essa divulgação. Algumas companhias consideram despesas com planos de pensão no montante declarado e outras, não. Além disso, nem todas incluem o conselho fiscal na soma divulgada. Há empresas que justificam a ausência de detalhes alegando que a regra do país não obriga maior abertura.

A falta de regulação dificulta a interpretação dos dados. Há casos de divergência entre o montante declarado à SEC e a informação entregue à CVM. A Brasil Telecom é um exemplo. No 20F de 2006, a operadora relata gasto de R$ 6,1 milhões com os salários da administração. Os bônus e as metas são declarados juntos com a distribuição de lucros a todos os funcionários, numa soma R$ 79,7 milhões. No relatório nacional, o IAN, o gasto é de R$ 35 milhões.

Mais um sintoma da ausência de padrão são as disparidades entre empresas do mesmo setor e de porte semelhante. Enquanto a Gol pagou R$ 3 milhões aos seus executivos, em 2006, entre salário e remuneração variável, os administradores da TAM receberam R$ 20,2 milhões.

O setor de telefonia tem a mesma inconsistência. A Oi dedica R$ 12 milhões por ano aos diretores e conselheiros, enquanto a Telesp, do grupo espanhol Telefónica, destinou mais de R$ 22 milhões ao seu corpo executivo, nos últimos dois anos.

No Brasil, o aprofundamento dos dados da remuneração deve enfrentar resistência adicional das companhias e dos administradores em razão do cenário de segurança pública. "Acaba virando lista de seqüestro", diz Antônio Carlos Duarte, presidente da Associação Brasileira de Companhias Abertas (Abrasca). Ele enfatiza, porém, que essa é sua opinião pessoal, pois a associação não tem posição sobre o tema.

Até mesmo órgãos focados no avanço da transparência fazem ressalva à publicidade da informação. José Guimarães Monforte, presidente do conselho do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), explica que o assunto é novo no país, fruto do aumento das companhias listadas com capital pulverizado. "Acho que essa ainda é uma evolução a ser vivenciada aqui." Porém, é contra o detalhamento da remuneração por executivo ao público geral. Monforte defende que apenas os acionistas das companhias tenham acesso a esses dados.

A Amec admite algumas restrições para publicação, mas ressalta a necessidade de avanço. Edison Garcia acredita que retirar a publicidade da discussão pode ser uma forma de enfraquecer o argumento das empresas e forçar o aumento das informações, ao menos para investidores.

Ele conta que o código de conduta para aprimorar a governança nos fundos de investimento, que a Amec e a Associação Nacional dos Bancos de Investimento (Anbid) desenvolvem, recomendará que os gestores participem e votem nas assembléias que tratarem dessa matéria.

Pela Lei das Sociedades por Ações, a remuneração dos executivos é pauta da assembléia geral ordinária - que ocorre, normalmente, nos meses de abril e maio, para aprovar as contas do exercício e a destinação do resultado, eleger conselheiros e outras questões da rotina de uma empresa aberta. Porém, na maioria dos casos, nem o edital de convocação da reunião e nem a ata informam o plano de remuneração adotado. Há informação no IAN, mas só o valor total pago, sem explicações.

Recentemente, a SEC esquentou ainda mais a discussão ao enviar 300 cartas às empresas abertas, solicitando detalhes sobre o cálculo dos bônus dos executivos. As companhias argumentam que fornecer tais dados deixaria a estratégia do negócio excessivamente exposta, já que os ganhos são relacionados a corte de custos, melhora nas margens e até fusões e aquisições pretendidas.

Carneiro, da assessoria em governança The Altman Group, defende que a CVM crie regras para o Brasil. "Dificilmente, a abertura dessas informações será feita de forma voluntária." Ele destaca, porém, que a remuneração variável e os planos de opção são instrumentos positivos e não devem ser "demonizados". Enfatiza apenas a necessidade de transparência. "É quase como o veneno da cobra no soro antiofídico. Tem que usar a favor."