Título: O segredo da longevidade
Autor: Camba, Daniele ; Cotias ,Adriana
Fonte: Valor Econômico, 18/09/2007, EU& Investimento, p. D1

Da moratória da dívida externa brasileira ao confisco do governo Collor. Da crise da Ásia aos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 ou à recente bolha imobiliária americana. Não foram poucos os episódios que chacoalharam as economias e os mercados mundiais em pouco mais de duas décadas, acabando por decretar vida curta à maioria dos fundos de ações brasileiros que ensaiaram entrar em cena. Mas houve quem, em meio a toda sorte de incertezas, resolvesse bancar carteiras genuinamente de renda variável e hoje colhe os frutos do pioneirismo e da perseverança. A história do Jaguar, da Fator Administração de Recursos, e do Lógica II, da Opportunity Asset Management, se mistura com essas desventuras, tendo se transformado em símbolos de longevidade.

O Jaguar foi criado pouco antes da quebra dos Tigres Asiáticos e está completando dez anos com um retorno acumulado, até sexta-feira, de 1.097%, para 365,8% do Índice Bovespa e 511,80% do CDI. O Lógica II foi estruturado na antevéspera de o Brasil declarar a moratória da dívida externa, alcançou a maioridade dos 21 anos em março e acumula ganhos de 118.556% em dólar, para 1.151% do Ibovespa, também pela moeda americana. Enquanto os fundos de ações ainda engatinham - com uma fatia de apenas 10,58% do setor e um patrimônio de R$ 112,8 bilhões -, a gestão dessas carteiras virou uma espécie de referência.

O Jaguar guarda muito mais bons do que maus momentos. Em oito dos seus dez anos, entregou aos cotistas mais do que o Ibovespa. O segredo é, de alguma forma, contrariar o senso comum do mercado. "Em momentos em que há uma euforia perigosa, colocamos o pé no freio, protegendo o patrimônio do fundo e, exatamente na hora em que o mercado está em crise, saímos à caça de empresas com problemas e abandonadas pelos investidores, mas que têm tudo para mostrar uma história de virada", diz Roseli Machado, responsável pela gestão do Jaguar ao lado de Fernando Tendolini.

Evitar a euforia não é tarefa fácil. Requer disciplina, mas por várias vezes já se provou como uma estratégia eficiente. "Abrimos mão do ganho rápido para comprar uma espécie de seguro, principalmente por meio de opções (direito de comprar ou vender um ativo a um determinado preço) de venda de Ibovespa futuro ou deixando o dinheiro em caixa, aplicado em CDI", explica Tendolini. Em 1997 e 1998, meses antes das crises da Ásia e da Rússia, quando as ações subiam como foguete, o fundo chegou a ter mais de 30% do patrimônio em caixa, o que foi decisivo para a carteira ter perdas bem menores.

Na crise atual do setor de hipotecas americano, não foi diferente. Em junho, quando todos desfrutavam tranqüilos da valorização da bolsa, os gestores do Jaguar já viam os primeiros sinais de que a festa poderia estar perto do fim e compravam opções de venda de Ibovespa futuro a 50 mil pontos. "A princípio não fazia sentido, afinal de contas o Ibovespa estava em 58 mil pontos, mas quando a bolsa despencou e o Ibovespa caiu até 45 mil pontos, as opções fizeram todo sentido e graças a elas nosso fundo conseguiu amortecer boa parte dessas perdas", lembra Roseli.

Identificar o começo de uma crise requer atenção aos mínimos detalhes, além de poder de análise. "As crises têm sempre o mesmo DNA, é preciso apenas estar de olhos abertos para conseguir captar todos os sinais que precedem esses momentos ruins", diz Tendolini. No caso da crise atual, os gestores do Jaguar perceberam que havia algo errado em meados de maio e junho, quando as commodities começaram a cair, o iene a se valorizar e as empresas já lançavam dívidas no exterior pagando taxas com 100 pontos-base a mais. "Era montar esse quebra-cabeças para ver o que estava por vir", diz.

Se na euforia é hora de parar e analisar se os ativos não estão valorizados demais, é nos momentos de depressão que surgirão grandes oportunidades de comprar ações subavaliadas, que mais tarde terão seu real valor reconhecido pelo mercado. Essa é a máxima que construiu os ganhos do Jaguar. Em 2001 e 2002, quando as pessoas fugiam da bolsa dado os péssimos retornos da renda variável, Roseli, Tendolini e a equipe de analistas passaram boa parte do tempo garimpando companhias que, à primeira vista, pareciam prejuízo na certa. Os resultados já puderam ser sentidos no ano seguinte, em 2003, quando o Jaguar teve uma rentabilidade de 139,4% ante um Ibovespa de 97%.

Foi exatamente entre 2001 e 2002 que os gestores compraram galinhas-mortas como Braskem, Usiminas, Embraer, Eletropaulo, Cesp, Randon, Alpargatas e Suzano, que mais tarde se transformaram em pérolas. "O segredo é ter a sensibilidade de perceber elementos que muitas vezes não estão no balanço e que apontam para uma virada da companhia", acredita Roseli. Alguns são casos clássicos. "A Braskem, quando compramos, tinha uma dívida de R$ 9 bilhões, um valor de mercado de apenas R$ 1 bilhão, mas estava num profundo processo de reestruturação e desalavancagem", lembra Tendolini. "Resultado: hoje ela vale R$ 7,4 bilhões." No caso da Alpargatas, a empresa transformou a marca de chinelos Havaianas numa espécie de grife, com exportação para vários países a preços muito superiores aos que os pares são vendidos no Brasil. "Compramos as ações a R$ 18 e, três anos depois, elas valiam R$ 180", afirma Tendolini. "Quem continuou analisando a Alpargatas como fazia há dez anos não antecipou essa guinada."

Já a Suzano, o gestor lembra que cinco anos atrás era uma companhia com gestão familiar e com os ativos de papel e celulose e de petroquímica todos misturados. No entanto, a gestão se profissionalizou com a entrada de João Nogueira Batista, um executivo conhecido no mercado financeiro. Ele ajudou na reestruturação do grupo, o que culminou na separação da parte de petroquímica da área de papel e celulose e, mais recentemente, na venda da Suzano Petroquímica.