Título: Novo patamar para as commodities
Autor: Kilman, Scott
Fonte: Valor Econômico, 28/09/2007, Agronegócios, p. B13

Os mercados de grãos que fornecem metade das calorias do mundo estão atravessando a maior mudança dos últimos 30 anos, com preços que não param de subir, o que altera o cenário econômico para todos, de consumidores a produtores rurais e dos pobres do planeta aos gigantes do mundo empresarial.

"Acabou o tempo do grão barato", disse Dan Basse, presidente do conselho da AgResource Co., uma firma de previsões sobre commodities de Chicago. Basse faz parte de um número cada vez maior de economistas e executivos do agronegócio que acreditam que os preços mundiais de alimentos continuarão a subir por até dez anos, provocando o aumento do custo de todos os tipos de alimentos.

A cotação da soja do Estado americano de Illinois está 40% a 75% mais alta que um ano atrás. A do trigo do Kansas subiu 70% em relação a um ano atrás.

No passado, essas altas tendiam a ser passageiras, geralmente causadas por uma escassez temporária. Depois de uma safra ruim, os produtores corriam para aproveitar a situação plantando mais para a próxima safra, o que baixava os preços de novo. Mas a alta atual, que começou um ano atrás no pregão de futuros do milho da Bolsa de Chicago, é diferente.

Além de os preços continuarem altos, a subida se espalhou para outras commodities, como cevada, sorgo, ovo, queijo, aveia, arroz, ervilha, girassol e lentilhas. Na Geórgia, o Estado que mais produz frango nos Estados Unidos, os abatedouros estão cobrando um preço recorde pela ave de 1,4 quilo, 15% a mais que um ano atrás.

O que mudou é que surgiram novas e poderosas fontes de demanda. Além do negócio protegido politicamente de transformar soja e milho em combustível, as economias emergentes da Ásia e da América Latina vêm permitindo que centenas de milhões de pessoas gastem mais com alimentação. Uma classe média crescente consome mais carne e leite, o que por sua vez aumenta a demanda por grãos. Nos EUA, um boi para abate tem de comer 6 quilos de grãos para engordar 1 quilo; um leitão, por sua vez, precisa de 4 quilos.

A inversão na tendência de longo prazo de redução do preço dos grãos pode ter efeitos profundos na capacidade do mundo de alimentar os mais pobres. Os estoques mundiais de grãos estão chegando aos níveis mais baixos dos últimos 30 anos, o que deixa o mundo vulnerável a crises de abastecimento causadas por uma safra ruim.

A disparada dos grãos espelha e é motivada pelas mesmas forças responsáveis pela escalada do petróleo, que já dura quatro anos. Os preços do petróleo também subiram a níveis nominais recordes graças a uma explosão na demanda de economias em desenvolvimento como China, Índia e Oriente Médio, bem como a décadas de fracos investimentos. Essa combinação deixou o setor com pouca margem de manobra para produzir petróleo adicional no caso de choques de oferta ou saltos de demanda.

Os efeitos imediatos já são sentidos no mundo. As famílias americanas, que gastam 9,9% da renda disponível com alimentação, segundo o Departamento da Agricultura dos EUA (USDA), enfrentam a maior elevação dos preços dos alimentos dos últimos 17 anos. O preço médio de meio quilo de pão integral estava no mês passado 24% acima do nível de um ano atrás, segundo o Escritório de Estatísticas do Trabalho. Os italianos protestam contra a alta do macarrão e as autoridades mexicanas puseram um teto para o preço da tortilla de milho. O Paquistão está restringindo a exportação de trigo para conter a inflação nos alimentos, enquanto as autoridades russas, preocupadas com a inflação no pão, estão analisando uma possível restrição nas suas exportações de trigo.

Michael Swanson, um economista do banco americano Wells Fargo & Co., diz esperar que os preços da alimentação subam de 4,5% a 5% neste ano nos EUA, o dobro da inflação do ano passado.

As empresas do setor alimentício estão tendo dificuldades para repassar os custos mais altos aos supermercados e às redes de lanchonetes, que cresceram e ganharam mais poder de barganha desde o último período prolongado de alta dos alimentos, nos anos 70.

"Estamos num território inexplorado", diz Christopher Fraleigh, diretor-presidente da divisão de alimentos e bebidas da Sara Lee Corp., a empresa americana dona do Café do Ponto, que no início do mês aumentou o preço do pão nos EUA em 5%.

Agricultores ao redor do mundo têm lucrado com essa tendência. Nos Estados Unidos, o Departamento de Agricultura prevê que a renda rural líquida do país aumente 48% neste ano, chegando a um recorde de US$ 87,1 bilhões.

"Eu vendi trigo aqui outro dia a US$ 7 (por bushel). É a primeira vez que fiz isso", afirma Doyle Johannes, integrante da quarta geração de uma família de produtores de milho e trigo em Underwood, na Dakota do Norte. Com os preços nas alturas, Doyle, de 47 anos, comprou a primeira colheitadeira zero quilômetro, um modelo da Caterpillar de US$ 250.000 equipado com controles computadorizados e um frigobar que ele enche de refrigerante.

A esperada ida às compras dos agricultores já está provocando a alta das ações de vários de seus fornecedores. Os papéis da fabricante de implementos Deere & Co. estão 80% mais altos que um ano atrás, enquanto os da gigante das sementes e herbicidas Monsanto Co. acumulam um ganho de 73%.

(Colaboraram Lauren Etter, Julie Jargon, Roger Thurow e David Kesmodel)