Título: Aumentam as incertezas no mercado de biodiesel
Autor: Bouças, Cibelle ;Sérgio Bueno
Fonte: Valor Econômico, 28/09/2007, Agronegócios, p. B14

Quanto mais se aproxima o início da adição obrigatória de 2% de biodiesel no diesel vendido no país, o que acontecerá a partir do ano que vem, maior é a preocupação quanto ao futuro do abastecimento do produto. Para as empresas do segmento, o problema é o excesso de capacidade instalada que começa a se formar, que reduz preços; para o governo, o temor deriva dos fracos resultados dos leilões oficiais que visam garantir a oferta e o baixo nível efetivo de recebimento do combustível.

Levando-se em conta os aportes em curso, que devem superar R$ 4 bilhões, a capacidade instalada já se aproxima de 2 bilhões de litros anuais, ante demanda prevista em 840 milhões em 2008. Com isso, quem já investiu ou tem projetos em andamento teme que o descasamento pressione os preços, em um momento em que a tonelada de óleo de soja - matéria-prima da maior parte das fábricas em operação no Brasil - chegou a US$ 850 milhões no mercado internacional, quase o dobro do que há um ano.

Segundo a Agência Nacional do Petróleo, Biocombustíveis e Gás Natural (ANP), já são 41 usinas de biodiesel autorizadas a operar no país, capazes de produzir 1,854 bilhão de litros por ano. Além de superar em mais de duas vezes a demanda de 2008 com o chamado B2 (2% de mistura), há outros 40 projetos em análise. Se aprovadas, as novas unidades elevarão a capacidade para 3,8 bilhões de litros por ano, 80% mais que o necessário mesmo se um percentual de 5% de biodiesel for adicionado ao diesel. O B5 está previsto para 2013, mas poderá ser antecipado para 2010 devido a este cenário.

"Com a sobrecapacidade, os preços podem cair demais e muita gente que investiu vai ficar de fora do mercado", afirma Marcos Boff, diretor financeiro da Oleoplan, de Veranópolis (RS). Ele lembra que no leilão de compra realizado em julho de 2006 a Petrobras fixou o preço de abertura em R$ 1,92 por litro, mas que, com a disputa, a média foi de R$ 1,76 e houve lotes vendidos até por R$ 1,73. Com capacidade para produzir 100 milhões de litros por ano, a empresa investiu R$ 21,5 milhões no complexo que deu partida em junho e, em 2006, acertou a venda de 10 milhões de litros para a estatal.

Hoje, diz Boff, considerando-se o preço do óleo de soja, o biodiesel teria de ser vendido entre R$ 2,20 e R$ 2,30, enquanto o diesel comum está em R$ 1,80. Nesta semana, representantes da União Brasileira do Biodiesel (Ubrabio) reuniram-se com o presidente Lula para cobrar estímulos à produção de outras matérias-primas para o combustível. Para Boff, os próximos leilões também deveriam valer para períodos inferiores a um ano, para um melhor ajuste entre preços e custos.

O problema, conforme Erasmo Battistella, diretor comercial da BSBios, de Passo Fundo (RS), é que também não se sabe se haverá leilões em 2008 ou se a comercialização será feita diretamente entre usinas e distribuidoras. Segundo uma fonte da área, na reunião do dia 18 deste mês entre produtores e a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, o governo se comprometeu a realizar um novo leilão, possivelmente em novembro, para garantir uma "entrada segura" do programa do biodiesel nos três primeiros meses de 2008.

Aí está o outro problema. Até julho, dos 890 milhões de litros negociados em leilões da Petrobras entre 2005 e 2006 para abastecimento do mercado até o início de 2008, só 217,1 milhões foram produzidos pelas usinas, apesar da larga capacidade. Os dados são da ANP. Ricardo Dornelles, diretor de Combustíveis Renováveis do Ministério de Minas e Energia, estima que, no acumulado deste ano, as entregas não chegarão à metade do volume arrematado. "O volume será bem menor do que estava previsto inicialmente. E há volumes que nem serão mais entregues".

Dornelles pondera que muitas usinas demoraram a obter os licenciamentos ambientais para operar ou levaram mais tempo para concluir as obras, o que comprometeu o calendário de entrega do produto às distribuidoras. Battistella, da BSBios, diz que, embora tenha enfrentado atrasos no recebimento de equipamentos importados, as distribuidoras também retardaram retiradas porque não estavam com suas bases plenamente adaptadas para receber o biodiesel. Ele afirma que chegou a encarar falta de caminhões-tanque.

A BSBios investiu R$ 40 milhões na planta de Passo Fundo e vendeu 62 milhões de litros nos leilões de 2006, mas até agora entregou só 25% do volume. "Estamos em um período de transição", comenta Battistella. A Oleoplan entregou 3 milhões dos 10 milhões de litros que comercializou devido a "problemas logísticos" e está reprogramando o restante com a Petrobras, informa Boff - como também fez a Brasil Ecodiesel, maior empresa do mercado. Para ele, os próximos leilões deveriam prever cotas mensais de liberação às distribuidoras. Neste caso, se alguma usina atrasar a entrega, o volume seria repassado para outra empresa.