Título: Indústria produz mais com menor consumo de energia
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Fonte: Valor Econômico, 18/09/2007, Especial, p. A14

Julio Cavasin, executivo da Sadia: "Ter energia comprada não garante que o insumo estará disponível" A Sadia reduziu em 11% seu consumo de energia por tonelada produzida de alimentos nos últimos quatro anos com um programa focado na otimização dos equipamentos e troca de lâmpadas, enquanto na Basf a participação do gás na matriz energética já alcança 70%. Seis anos após o racionamento de energia, a busca de eficiência energética foi incorporada ao dia-a-dia das empresas por motivos que misturam redução de custos e preocupação com a oferta futura.

A busca por eficiência energética na indústria foi além da reação ao "apagão" e virou fator de competitividade. Nos cinco anos antes do racionamento, para cada 1% de aumento da produção, o consumo de energia elétrica crescia 2% no setor industrial. Era um uso muito ineficiente. Após o racionamento, essa relação caiu pela metade e passou a ser de um para um, revelando um forte incremento na produtividade elétrica do setor. "Depois do racionamento, quem não investiu em eficiência energética ficou menos competitivo", diz Fernando Camargo, consultor de energia da LCA Consultores.

No caso da Sadia, a "mágica" veio de uma melhor gerência dos equipamentos - para evitar máquinas ligadas sem necessidade - e da troca de máquinas cujo motor desperdiçava energia. Os resultados foram obtidos com o programa Orçamento Base Zero, que estabelece metas para essa redução.

Segundo Júlio Cavasin, gerente de projetos de investimentos da Sadia, cada unidade fica responsável por cumprir uma meta de redução. "Nas unidades com produção mais diversificada, como em Ponta Grossa, que fabrica pratos prontos e doces, é mais fácil pensar em saídas para diminuir o consumo", diz o gerente. Dessa forma, uma unidade compensa a meta da outra.

Como forma de reduzir também os gastos, as fábricas são orientadas a diminuir o consumo nos horários de pico, quando a tarifa é mais cara. A preocupação é compreensível numa empresa em que a energia elétrica é o segundo maior custo, atrás apenas de mão-de-obra. A Sadia, porém, não divulga os valores. Cerca de 70% das suas fábricas possuem contratos no mercado livre, o que não afasta o receio de um futuro racionamento, segundo o diretor. "Ter energia comprada não garante que o insumo estará disponível", diz Cavasin. Ele também avalia que o custo vai crescer com a escassez do insumo.

De 2001 até 2006, a energia ficou 57% mais cara (já descontada a inflação) para as indústrias que compram no mercado cativo, com as distribuidoras. Hoje, a grande maioria das empresas eletrointensivas estão no mercado livre, formado por "sobras" de energia da época do apagão que foram vendidas diretamente às empresas por preços mais em conta que as tarifas do mercado cativo. Essa condição favorável de preços foi excepcional e não deve se repetir na hora na renovação dos contratos.

De olho na queda de atratividade do mercado livre, as distribuidoras vêem uma oportunidade de resgatar antigos clientes. Por isso, a obrigação de aplicar 0,5% da sua receita operacional líquida em programas de uso racional de energia junto aos consumidores, segundo regras da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), acaba contando a favor das distribuidoras nessa concorrência.

Para investir em equipamentos eficientes, a Sadia se associou à Cemig, distribuidora de Minas Gerais. A empresa mineira trocou a iluminação convencional de 60 aviários da Sadia por lâmpadas de alta eficiência. Segundo Cavasin, a diferença economizada na conta de luz continua sendo paga à Cemig para pagar o investimento.

Esse tipo de parceria também é adotada pela Eletropaulo, distribuidora da Grande São Paulo. Para a empresa, o gasto de cerca de R$ 50 milhões por ano com o programa também representa uma forma de fidelizar os grandes consumidores. "É possível racionalizar o consumo e assim tornar o mercado livre menos atrativo", diz Max Xavier Lins, diretor de gestão de clientes corporativos da Eletropaulo. A distribuidora vai às empresas em busca de desperdícios e oportunidades de economia de energia. "Os clientes aprenderam a economizar sofrendo por causa do apagão, mas o efeito residual da crise foi a maior conscientização sobre o uso de energia", diz ele.

O consumo de energia fornecida pela Eletropaulo vem crescendo. De 2001 a 2006, a demanda total pelo insumo cresceu 17,5% na sua área de concessão. O ano de 2004 foi o de maior alta - 7,6%, acompanhando a alta do Produto Interno Bruto (PIB). Dessa forma, Lins explica que o movimento ascendente de consumo não é sinal de desperdício, pois vem ancorado no aquecimento da economia. Segundo o diretor, os novos empreendimentos já incorporam a cultura do uso racional da energia.

A Eletropaulo investiu R$ 105 milhões em programas de eficiência energética de 2004 até hoje e reduziu o consumo em 165.479 MWh/ano. No mesmo período, o faturamento da empresa cresceu 41,9%, o que mostra novamente a alta no custo da energia.

As oportunidades de redução do consumo de energia no processo produtivo, no entanto, estão longe de chegar ao fim, segundo Wagner Correia, gerente da área técnica da Basf, empresa química. "Nem que seja na manutenção de mudanças realizadas na época do racionamento, há muito o que fazer", diz. A Basf movimenta suas fábricas a base de vapor produzido em caldeiras com a combustão de gás natural, o que faz com que sua matriz energética seja formada por 70% de gás e 30% de energia elétrica obtida no mercado livre.

Em 2006, a empresa iniciou um projeto piloto de eficiência energética na unidade de geração de energia do complexo de Guaratinguetá, o maior do grupo no país. No local é produzido vapor a partir da combustão do gás natural. Segundo o gerente da Basf, foram feitas análises das instalações, troca de equipamentos e treinamento de pessoal. O investimento total em tecnologias foi de R$ 260 mil. "Foram substituídos motores e trabalhada uma maior sintonia nas caldeiras de combustão, para que os combustíveis fossem melhor aproveitados", diz o gerente. Como resultado, a empresa fechou o ano de 2006 com uma redução de 6% no consumo de combustível.

Diante do risco crescente no fornecimento de gás, a Basf analisa periodicamente a possibilidade de auto-geração com outros recursos, o que até agora, segundo Correia, não se mostrou viável. Camargo, da LCA, acredita que virá uma nova onda de busca de eficiência energética baseada na auto-geração. Ela será motivada pelo medo de problemas na oferta do insumo.

Essa foi a opção da Klabin para abastecer a expansão da sua fábrica de Monte Alegre, em Telêmaco Borba, Paraná. A empresa começará no ano que vem a produzir 80% da energia que consome através da biomassa em uma nova caldeira a ser implementada na fábrica. Dessa forma, segundo Francisco Razzolini, diretor do projeto de expansão da Klabin, a papeleira unirá a sustentabilidade da sua produção, utilizando resíduos madeireiros na caldeira térmica, à segurança do fornecimento de energia. "Em janeiro de 2008 já devemos estar gerando essa energia".

Hoje, 66% da eletricidade consumida pelas fábricas da empresa - na produção de 700 mil toneladas/ano de papel - já é gerada por caldeiras que utilizam biomassa, óleo combustível e lixívia na combustão. O restante é contratado no mercado livre com a Copel, geradora do Paraná. Com a nova caldeira, a empresa vai cobrir com geração própria a necessidade adicional de energia diante da expansão da sua produção para 1,1 milhão de toneladas de papel por ano e ainda substituir a geração à óleo.

Para atingir a produção de 70 MW/h de energia, a Klabin vai usar 1 milhão de toneladas de biomassa por ano além das 300 mil que já utiliza na caldeira existente. Os resíduos da produção da Klabin não serão suficientes para suprir a necessidade. Por isso, um terço da biomassa será comprada de serrarias e lenhadoras da região.

O custo da energia também pesou para a Sabesp, companhia paulista de saneamento básico. Além de migrar 46% do seu consumo para o mercado livre, que garantiu economia no passado, esse ano a empresa contratou um prestador privado para otimizar o uso da energia em duas estações de tratamento de esgoto na Grande São Paulo. O gasto de R$ 5 milhões na iniciativa, segundo o assistente-executivo da diretoria de Tecnologia, Investimento e Meio Ambiente, Antônio César da Costa e Silva, trará a economia de R$ 2 milhões por ano com a redução de 1 GWh ao mês, 25% do consumo inicial.