Título: Crime tributário e formação de quadrilha
Autor: Pinto , Ernestina Rodrigues;Corrêa, Oswaldo Corrêa
Fonte: Valor Econômico, 28/09/2007, Legislação & Tributos, p. E2

A constante e elevada carga tributária praticada em nosso país obrigou o legislador a criar normas coercitivas que integrassem o sistema tributário, mas que fossem independentes à legislação penal já existente. O principal objetivo desta separação sempre foi o de evitar os constantes equívocos na interpretação da lei. E foi esta necessidade a mola propulsora para a promulgação da Lei nº 8.137, de 1990, que define os crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relação de consumo. Desta forma, foi possível afastar do âmbito do direito penal as questões de caráter tributário, ressaltando-se, por oportuno, que a lei é muito clara ao permitir a ingerência das normas criminais previstas no Código Penal quando necessário, sendo certo que a lei supra citada foi o marco inicial desta distinção.

O crime tributário, via de regra, tem como cenário a empresa, evidentemente com a imputação dos mesmos aos seus integrantes, na maioria três ou mais pessoas. Está capitulado no artigo 1º da Lei nº 8.137, que assim dispõe em seu caput: "Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório". Os crimes tributários são classificados em vários tipos, e esta variação dependerá dos critérios de classificação dos delitos, como, por exemplo, o momento da ocorrência, ou, ainda, a intenção dos praticantes e a duração da prática da conduta delituosa.

No entanto, como já explanado, na grande parte das vezes o crime tributário será cometido por três ou mais pessoas, sem que disso reste configurada a formação de quadrilha. A confusão ocorre porque porque a formação de quadrilha, tipificada no artigo 228 do Código Penal, está assim disposta: "Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes: Pena - reclusão, de um a três anos".

A referida prática vem sendo imputada aos acusados de crimes tributários reunidos em uma pessoa jurídica, mas se mostram como delitos bastante distintos. O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, nos casos de crime tributário, pelo prévio exaurimento da via administrativa e pela extinção da punibilidade com o pagamento da dívida tributária - prerrogativas não encampadas pela formação de quadrilha ou bando. Dita decisão está normatizada na Lei nº 9.249, de 1995, que no seu artigo 34 prevê a já mencionada extinção.

-------------------------------------------------------------------------------- Os crimes tributários são regidos por leis próprias, não podendo ser julgados com base no Código Penal --------------------------------------------------------------------------------

Verificamos, pois, que os crimes tributários são regidos por leis próprias, não podendo ser julgados com base no Código Penal - cuja atuação está expressamente prevista, de forma acessória, para as situações necessárias. No caso da formação de quadrilha ou bando, como tipo autônomo que é, a denúncia pode se antecipar ao esgotamento da via administrativa e o cumprimento da obrigação tributária principal ou acessória (pagamento de tributo ou multa) não extingue a punibilidade.

O enquadramento de cada caso na condição de crime tributário ou formação de quadrilha comporta a análise de três importantes questões. A primeira delas é saber se a denúncia por crime de quadrilha ou bando é feita em virtude de associação formada para a prática de crimes tributários, o que dependeria do prévio exaurimento da via administrativa. A segunda é apurar se a extinção da punibilidade, pelo pagamento, alcançaria também o crime descrito no artigo 288 do Código Penal. E a terceira, verificar se o crime de formação de quadrilha ou bando ocorre quando se constitui uma sociedade para o desempenho de atividade empresarial, considerando-se que, no âmbito, podem ser praticados crimes tributáveis.

Vemos, então, que o artifício de imputar o crime de quadrilha ou bando não pode ser acolhido, mesmo porque a própria Constituição Federal estimula a reunião de pessoas para o exercício de atividades econômicas e, se alguma delas incorre em crime tributário, essa reunião não pressupõe a formação de bando ou quadrilha, desde que o objetivo societário seja lícito.

Temos que, apesar da confusão que pode advir dos delitos ora debatidos, o número de pessoas não é fator definitivo ou decisivo para a configuração do delito definido no artigo 288 da lei penal, posição confirmada pelo Supremo. Na ocasião do julgamento, o relator da corte afirmou que, se a sociedade se constituiu para fins lícitos, a eventual prática de ilicitude fiscal é crime tributário, não sendo tipificada a conduta como formação de quadrilha.

Verifica-se, portanto, a exacerbada imputação do delito de formação de quadrilha a membros de empresa que incorreram tão somente na eventual prática de crime tributário, em claro desrespeito à Constituição Federal e às leis ordinárias que tratam dessa matéria. Tal prática é deveras perigosa, pois que a punibilidade do crime tributário se afasta com o pagamento e sua denúncia independe do encerramento da via administrativa - prerrogativas que, obviamente, não se estendem ao caso da formação de quadrilha -, sendo certo que em tais circunstâncias sua prevalência em favor dos indiciados dependerá da formulação de uma defesa prática e eficiente, para evitar os efeitos da tentativa de interpretação e aplicação distorcida das normas pertinentes ao direito penal tributário.

Ernestina Rodrigues Pinto e José Oswaldo Corrêa são, respectivamente, advogada associada e titular do Escritório de Assessoria Jurídica José Oswaldo Corrêa

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