Título: Ata do Copom dispara juro e derruba Bolsa
Autor: Luiz Sérgio Guimarães
Fonte: Valor Econômico, 28/01/2005, Finanças, p. C2

Os documentos formais do Banco Central, como as atas do Copom e os relatórios trimestrais de inflação, visam afinar a comunicação com o mercado, ou, em termos mais diretos, passar às instituições o que o BC deseja que elas façam. Nesse sentido, ata da reunião do Copom do dia 19, a que promoveu a quinta alta seguida da taxa Selic, divulgada ontem, teve pleno êxito. Antes dela, não havia consenso formado para a próxima reunião do Copom, agendada para 16 de fevereiro. O mercado se dividia em três fatias: 1) nova alta de 0,50 ponto, seguida por um ajuste de 0,25 ponto em março e congelamento do juro básico em 19%; 2) avanço final de 0,25 ponto em fevereiro e estabilidade da taxa em 18,50%; 3) manutenção da Selic em 18,25% por longos meses. A ata formou instantaneamente um consenso maciço: a Selic subirá mais 0,50 ponto no dia 16. E não será o último tranco. Em março, nova elevação será feita. Mas o consenso termina aí. Assustado com o tom flamejante e apocalíptico do item 28 da ata, o mercado não sabe o que virá depois. Se os efeitos da ata de ontem se esgotarão no dia 16 seus objetivos terrificantes foram cumpridos. Os ajustes feitos ontem nos contratos futuros de juros da BM&F foram dramáticos. Os três últimos contratos referentes a 2005 dispararam. Para a virada do primeiro semestre, o CDI implícito avançou de 18,75% para 19,04%. O contrato para a virada do quarto trimestre saltou de 18,69% para 19,04%. E, para a virada do ano, a aposta pulou de 18,46% para 18,75%. Este contrato, praticamente desde o início do ano o mais líquido, negociou ontem nada menos que R$ 21,22 bilhões, mais que o dobro do giro financeiro anterior. O juro de 19,04% foi o teto divisado ontem para o CDI no ano. Face a defasagem em relação à Selic, essa aposta mira uma Selic de até 19,50%. Ou seja, as operações feitas ontem suportam mais três aumentos da Selic, sendo dois de 0,50 ponto e um de 0,25 ponto. Parte do mercado ficou estarrecida com a confissão dos diretores do Copom de que foi cogitada a possibilidade de aceleração do ajuste, ou seja, ao invés do tranco de 0,50 ponto aplicado a cada reunião desde outubro, depois da alta de 0,25 ponto feita em setembro, seria desferida uma pancada de 0,75 ponto. Mas essa possibilidade foi noticiada nesta coluna exatamente no dia 19, data final da reunião de janeiro do Copom. Mas dificilmente o BC encontrará motivos para elevar a taxa em 0,75 ponto no encontro do dia 16. Não só porque a maioria dos temores relatados na ata - expansão injustificada dos núcleos de inflação após aperto acumulado de 2,25 pontos desde setembro, repasse supostamente acelerado dos preços do atacado para o varejo, "superaquecimento" da atividade econômica - são fantasmas inofensivos. Mas porque, após a ata incandescente de ontem, o swap de 360 dias disparou de 18,45% para 18,70%, fixando um juro real de 12,3% comparativamente à expectativa de inflação do mercado para 2005, de 5,7%. Se for considerada a meta oficial de inflação, de 5,1%, o juro real encosta nos 13%.

A fatia de instituições que mais se apega aos modelos econométricos usados pelo BC foi a que mais se surpreendeu com os termos da ata. Afinal, rodando-se o modelo com Selic de 18,25% por 12 meses e câmbio a R$ 2,70, o IPCA não conseguirá passar de 5,2%. Com Selic a 18,75% - juro prometido pelo Copom para vigorar no dia 17 de fevereiro - e dólar a R$ 2,60 (já que não resta dúvida a ninguém que a escalada rumo às alturas do já imbatível campeão mundial de juro alto atrairá ainda mais capitais externos), o IPCA irá cair abaixo de 5,1%. Vale dizer, para efeitos do modelo matemático, não se precisaria subir o juro tudo isso. Mas ele precisa subir mais para cumprir estratégia política mais ampla.

Consenso de nova alta de 0,50 ponto em fevereiro

Para consultores independentes, o Copom não constitui um "poder paralelo" da República, acima dos outros três. Eles só conseguem enxergar o ultraconservadorismo do BC como parte de um plano maior, de natureza política, engendrado pelo Palácio do Planalto. O monetarismo seria injustificável se não viesse acompanhado de deliberada apreciação cambial. Ambos formam dupla mortal aos IGPs, os índices da FGV que indexam os preços administrados, hoje os principais vilões da inflação. A idéia é derrubá-los em 2005 para que não contaminem a inflação de 2006, esta sim vital para a reeleição de Lula. Divulgado ontem, o IGP-M de janeiro exemplifica a tese. Foi de 0,39%, ante 0,74% em dezembro e expectativa média de 0,46%. Nesse compasso, o índice acumulará em 2005 alta de 4,78%. As tarifas públicas serão corrigidas no ano que vem por percentual já bem perto da meta central de inflação de 4,5%. Com isso, os juros poderão cair com força e se tornarão arma eleitoral das mais afiadas. O BC vem formando reservas cambiais aceleradamente. Faz leilões de compra mesmo nos dias em que a sua presença não se faria necessária. Como ontem. E sempre faz questão de mostrar que as suas compras não visam elevar a cotação do dólar. Comprou moeda quando o preço estava em R$ 2,666, alta de apenas 0,03%, a mesma cotação que prevaleceu no fechamento. E adquiriu por R$ 2,6665. Criou um novo preciosismo - a quarta casa depois da vírgula - para mostra a sua isenção. A Bovespa foi o mercado que mais sentiu as asperezas da ata do Copom. Após acumular ganho de 3,9% nos três últimos pregões, a Bolsa tombou 2,04%. Juro alto e câmbio valorizado compõem um cenário ingrato à atividade econômica e aos lucros das empresas.