Título: Nova regra obriga atualização de valor de ativos no balanço
Autor: Valenti, Graziella
Fonte: Valor Econômico, 14/09/2007, Empresas, p. B3

Carvalho, do Iasb: "Teremos uma situação esdrúxula de resultados diferentes entre o balanço societário e o fiscal" A divulgação da primeira regra de contabilidade para as companhias brasileiras definida conjuntamente pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) e pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) é prevista para hoje. O pronunciamento técnico do comitê terá de ser obrigatoriamente adotado pelas empresas de capital aberto, podendo levar a baixas contábeis em série. A deliberação, que ficou em consulta pública até o fim de julho, insere o conceito de "impairment" no país.

A palavra em inglês significa deterioração, na tradução literal. Tecnicamente, trata-se da "redução do valor recuperável de ativos", conforme a regra da CVM. Na prática, quer dizer que as empresas terão de avaliar, anualmente, os ativos que geram resultado antes de contabilizá-los no balanço. Cada vez que a projeção de geração de caixa tiver um valor inferior ao montante pelo qual o ativo está registrado, a companhia terá de fazer a baixa contábil da diferença. O ajuste será feito por meio de uma provisão na demonstração de resultados ou no balanço patrimonial, quando se tratar de ativo já reavaliado.

O professor Eliseu Martins, vice-coordenador técnico do CPC, explica que a mudança está alinhada às regras contábeis internacionais do padrão IFRS, que deverá unificar a contabilidade global. O objetivo do pronunciamento é evitar que as empresas brasileiras tenham em seus balanços ativos registrados por um valor que não irá se concretizar no futuro.

Aos poucos, a CVM e o CPC, por meio de pronunciamentos e deliberações, estão promovendo a convergência dos conceitos brasileiros. Além do "impairment", há diversas outras declarações do comitê que já estão "no forno", segundo o professor. "Essas regras conjuntas com a CVM estarão em vigor porque não há nenhum grande conflito com a lei." Martins diz isso para lembrar que a migração completa das companhias brasileiras ao IFRS depende da mudança da Lei das Sociedades por Ações (6.404/76), com a aprovação do projeto de lei 3.741, tramita no Congresso Nacional.

Essa primeira deliberação conjunta com a CVM deverá entrar em vigor assim que for publicada no "Diário Oficial da União". "É o fim do ágio", sentencia Nelson Carvalho, presidente do Conselho Consultivo de Normas do International Accounting Standards Board (Iasb). O ágio é a diferença entre o preço de aquisição de um ativo e seu valor de registro patrimonial. Pelas regras brasileiras atuais, sempre que o montante pago for o maior entre os dois, a empresa pode amortizar esse adicional para reduzir o lucro contábil e, com isso, diminuir o gasto com imposto.

Carvalho enfatiza, porém, que os ganhos fiscais de amortização de ágio não deixarão de existir. Isso porque as regras da CVM e do CPC tratam apenas dos balanços societários, mas não influenciam os balanços para fins tributários, que são informações sigilosas transmitidas pelas companhias à Receita Federal. "Teremos uma situação esdrúxula de resultados bastante diferentes entre o balanço societário e o fiscal."

O eventual "impairment" demandará uma nota explicativa no balanço das empresas. Em muitos casos, a companhia terá em seu caixa o benefício de uma possível amortização de ágio, sem que isso fique evidente nas demonstrações financeiras que seguem a legislação societária.

Reginaldo Alexandre, vice-presidente da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento no Mercado de Capitais (Apimec-SP), ressalta que a avaliação das companhias não deverá sofrer impactos relevantes por essa regra. Segundo ele, as análises são realizadas com base no fluxo de caixa das empresas, item que não sofrerá alteração com a medida. No entanto, admite o especialista (que também participa do CPC), os balanços indicarão de forma mais realista os investimentos detidos pelas companhias.

A regra internacional de "impairment" gerou casos memoráveis, especialmente, no setor de telecomunicações. A holandesa KPN fez, em 2002, uma baixa contábil de 9 bilhões de euros pela compra das bilionárias licenças de 3ª geração de telefonia celular vendidas na Europa.

Carvalho acredita que também no Brasil as companhias de telefonia estarão entre as mais afetadas pela regra, junto com as empresas petroquímicas. Ambos os segmentos da economia fizeram diversas aquisições no passado recente e ainda têm reservas de ágio a ser amortizadas.