Título: INB busca parceiros para explorar urânio
Autor: Durão , Vera Saavedra ; Santos, Chico
Fonte: Valor Econômico, 14/09/2007, Empresas, p. B7

Tranjan Filho, presidente: aliança é necessária porque o urânio é minério residual A estatal Indústrias Nucleares do Brasil (INB) pretende quadruplicar sua produção de urânio até 2012 -de 400 para 1.600 toneladas ao ano - preparando-se para a possibilidade de atender a demanda futura de oito novas usinas nucleares a serem construídas até 2030, além de Angra III, prevista para operar em 2013. Para chegar lá, a estatal não cogita abrir mão do monopólio da extração e produção do urânio, garantido pela União, como aspiram mineradoras privadas interessadas em produzir no país o minério básico da energia atômica. Mesmo sem perspectivas a curto prazo de flexibilização do monopólio, o novo presidente da INB, Alfredo Tranjan Filho, decidiu inovar e já trabalha na busca de parceiros privados para explorar jazidas da estatal onde existe urânio associado a outros minerais. É o caso de Santa Quitéria, no Ceará: há predominância de fosfato e urânio como residual.

No início desta semana, a INB expediu sete cartas convite para grupos produtores de fosfato, potenciais interessados no negócio. Até 20 de novembro Tranjan pretende proceder a abertura dos envelopes com as propostas dos investidores. Segundo ele, "ganha quem apresentar a melhor proposta". O modelo inédito de negócio desenhado pela INB dá à iniciativa privada a responsabilidade pela lavra de fosfato da mina, cabendo ao INB o tratamento do urânio. A operação em curso tem a vantagem de não violar o monopólio estatal e, ao mesmo tempo, viabilizar parceria da INB com grupos privados. Esta aliança é vista pelo presidente da estatal como "necessária" porque o urânio de Santa Quitéria só pode ser extraído como resíduo da produção de fosfato, mineral dominante na jazida. "A mina continua sendo da INB, mas o parceiro privado que vencer a disputa pode explorar, produzir e processar o fosfato e nós ficamos com o urânio", resumiu o executivo. Ele disse que o governo vai garantir toda infra-estrutura e logística do empreendimento.

Empresas como Bunge, Fosfértil e Vale do Rio Doce podem vir a ser candidatas naturais a concorrer ao direito de investir US$ 170 milhões para capacitar a mina a produzir no mínimo 120 mil toneladas anuais de fosfato, conforme estudo de viabilidade feito pela INB. Se houver interesse em ampliar esta produção, a mina comporta, pois tem reservas de 8,3 milhões de toneladas de óxido de fósforo e 142,5 mil toneladas de óxido de urânio. A estatal planeja investir US$ 20 milhões adicionais para, a partir do rejeito da planta de fosfato, produzir 800 toneladas anuais de urânio, exatamente o dobro da produção brasileira atual, obtida na sua mina de Caetité (BA). De acordo com Tranjan, nesta parceria uma planta será acoplada à outra, não havendo risco de apropriação ilegal de urânio pela empresa produtora do fosfato.

Hoje, o Brasil importa aproximadamente a metade do seu consumo de fosfato, usado, principalmente, para fazer fertilizantes e, secundariamente, para ração animal e consumo humano. Quanto ao urânio, o país produz atualmente 400 toneladas anuais do minério já beneficiado (óxido de urânio, conhecido como "yellow cake") necessárias para alimentar as usinas Angra I e II. Juntas, elas têm capacidade nominal para gerar cerca de 2.000 MW de energia elétrica, perto da metade do consumo do Estado do Rio de Janeiro. Toda a produção nacional de urânio vem da mina de Caetité, cuja capacidade deverá ser duplicada até 2010. Pelo cronograma da INB, Santa Quitéria entrará em produção em 2011, atingindo 800 mil toneladas de urânio em 2012.

A capacidade da mina de 1.600 toneladas de "yellow cake" anuais atenderá a demanda das três usinas de Angra e outras três usinas e meia das oito que a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) entende que devam ser construídas até 2030. Para as demais usinas, cujas construções estão condicionadas a um crescimento econômico do país da ordem de 5,1% ao ano nos próximos anos, o presidente da INB disse que o suprimento poderá vir de novo do aumento de Caetité e da entrada em produção da mina de Rio Cristalino, que tem bons indícios de urânio.

Tranjan disse que o tema da abertura da produção de urânio ao setor privado é estratégico e ultrapassa a competência da INB, já que toca em preceito constitucional. Mas, pessoalmente, acha que a idéia só fará sentido quando a INB, hoje executora do monopólio, estiver suficientemente forte como estava a Petrobras em meados dos anos 1990, quando o monopólio do petróleo foi flexibilizado. Empresas como a Vale e a MMX, do empresário Eike Batista, já anunciaram o desejo de produzir urânio no Brasil e torcem pela queda do monopólio.

O que atrai estas mineradoras é o fato de o país ser detentor da sexta maior reserva mundial de urânio, de aproximadamente 309 mil toneladas, com ocorrências significativas no Estado da Bahia, nos municípios de Lagoa Real e Caetité - e no Ceará - em Itataia, onde se localiza a mina de Santa Quitéria. Deste total, somente 30% do solo nacional foi prospectado até agora.

Enquanto não corre o risco de perder a exclusividade da produção, a estatal está empenhada em recuperar o tempo perdido na industrialização do urânio. Ela hoje produz o urânio bruto, o "yellow cake", primeira fase do beneficiamento, as pastilhas e o elemento combustível (varetas de aço carregadas de pastilhas). No meio do caminho estão a gaseificação e o enriquecimento do urânio, já dominados tecnologicamente pela Marinha, no complexo de Aramar (SP), mas ainda não produzidos em escala comercial.

A gaseificação é a transformação do "yellow cake" em hexacloreto de urânio, etapa necessária para o enriquecimento do produto que, por sua vez, consiste em elevar a concentração do urânio 235 no produto em nível necessário à geração de energia. Hoje, o urânio brasileiro é gaseificado no Canadá e enriquecido na Europa. A INB já tem uma pequena capacidade de enriquecimento e espera atingir 60% da demanda nacional em 2010, com investimento de R$ 380 milhões já assegurado. A gaseificação em escala comercial deverá ficar para 2015.