Título: Alavancagem pré-IPO preocupa
Autor: Perini Lucchesi ;Cristiane
Fonte: Valor Econômico, 14/09/2007, Finanças, p. C1

Uma nova preocupação ronda o mercado financeiro, como parte do contágio da crise externa de liquidez. Os investidores começam a se perguntar o que vai acontecer com o crédito concedido às empresas ou seus acionistas para turbinar as emissões públicas iniciais de ações se muitos dos 27 IPOs hoje listados acabarem não saindo. Segundo levantamento feito pelo Valor nos prospectos das empresas e bancos registrados para IPO na Comissão de Valores Mobiliários, há mais de R$ 1 bilhão desse tipo de crédito, que hoje está nas mãos de bancos e fundos.

Se o IPO não sai, um dos temores é que alguma empresa ou acionista tenha dificuldades em pagar os recursos. Alavancadas demais na fase pré-IPO, algumas companhias podem não ter geração de caixa suficiente para pagar toda a dívida. O mercado está preocupado, também, com uma hipótese nada remota: a de os bancos de investimento que lideram os IPOs - os mesmos que estruturam as operações de crédito para alavancar os IPOs e têm parte delas em suas carteiras - acabem privilegiando as transações nos quais há crédito envolvido. Seria uma forma de esses bancos não ficarem com o "mico na mão". Sofreriam, nessa hipótese, os investidores menores que entrassem nessas operações e as empresas que não fizeram alavancagem pré-IPOs, pois poderiam ter suas operações postergadas ou simplesmente não-priorizadas.

Os bancos negam um risco maior. "As instituições financeiras são especializadas em crédito e já embutem nos juros cobrados da empresa ou acionista o risco de o IPO não acontecer", diz Roderick S. Greenlees, da equipe do banco de investimentos do UBS Pactual. Segundo ele, nessa hipótese a empresa vai pagar o empréstimo normalmente, com seus recursos de caixa, o que já estava devidamente previsto.

Não há como negar, no entanto, que setembro começou com maior volatilidade no mercado de ações e maior seletividade dos investidores na participação dos IPOs. Até agora, após a crise de liquidez chegar com mais força às bolsas, no final de julho, nenhum IPO foi realizado na Bolsa de Valores de São Paulo. A Cosan lançou ações, mas em Nova York, e ainda assim não captou tudo o que esperava. "Nós ampliamos nossas posições de caixa e adotamos mais cautela nos investimentos", diz Cláudio Citrin, diretor do fundo Spinnaker, que tem mais de US$ 7 bilhões em ativos investidos em cerca de 50 países. "Com a crise externa, os investidores têm privilegiado a liquidez", diz Citrin. Isso pode tornar mais difícil a emissão de ações de empresas menores e tornar o mercado mais seletivo.

Desde que a onda de IPOs se iniciou, os bancos têm sido cada vez mais criativos nas formas adotadas nos créditos pré-IPO. Esses empréstimos já têm até um nome em inglês: "equity kickers". A lista de prospectos das operações em análise na CVM traz casos que ilustram os diversos instrumentos hoje utilizados, que vão desde empréstimos bancários até Cédulas de Crédito Bancário (CCBs), as preferidas, passando pelas debêntures, Certificados de Depósito Bancário, Depósitos Interfinanceiros e até mesmo Fundo de Investimentos em Direitos Creditórios. Muitos desses créditos têm acoplados os chamados warrants, que são opções de compra das ações pelo banco ou fundo credor garantidas pela empresa emissora a um preço pré-determinado.

Na hora do IPO, o banco ou fundo que está com o crédito em sua carteira recebe ele de volta a preços acima do valor de face. Além disso, exerce automaticamente o direito de compra da ação e vende essa ação imediatamente para outros investidores, durante o IPO. Realiza ganhos também aí. Como ganham mais do que as comissões nos IPOs alavancados por "equity kickers", os bancos podem pôr mais esforço na realização dessas transações, ajudados pelos fundos que detêm esse crédito.