Título: Possível fechamento de capital da Gol divide família Constantino
Autor: Rittner, Daniel ; Vallenti, Graziela
Fonte: Valor Econômico, 19/09/2007, Empresas, p. B1

A companhia aérea Gol, que lançou suas ações em bolsa em junho de 2004, estudar fechar o capital da empresa. A idéia surgiu três ou quatro meses atrás, com a contínua queda das ações em bolsa. O valor de mercado da companhia, que em maio do ano passado chegou a R$ 16,2 bilhões, caiu a R$ 8,2 bilhões ontem - queda de 49,4% no período. Para recomprar as ações em poder dos minoritários, a companhia teria de desembolsar pelo menos R$ 3 bilhões, segundo cálculos do Valor.

A decisão de fechar o capital não é consensual. Seu principal defensor é o fundador e presidente do conselho de administração da Gol, Nenê Constantino, que gostaria de tomar as providências para o fechamento de capital nas próximas semanas, segundo fontes próximas à companhia. Para isso, porém, terá de driblar as resistências de seu filho, o presidente Constantino Jr., que é quem realmente toca o dia-a-dia da empresa.

Nenê nunca teve a experiência de se submeter às rígidas normas de governança corporativa que pesam sobre uma companhia de capital aberto. Essa falta de experiência não o incomodava tanto durante o período de forte crescimento da Gol. Com o tombo das ações, que se intensificou após a tragédia com o vôo 3054 da TAM, em julho, o fundador da Gol teria se convencido de que é melhor fechar o capital neste momento, esperar uma nova valorização da aérea e, mais adiante, possivelmente voltar ao mercado, recolhendo os lucros da operação. Segundo fonte que acompanha o processo, se concretizada, a oferta de compra das ações levará em conta um ágio "considerável".

A família Constantino controla a companhia aérea por meio do Fundo Asas, que detém todas as ações ordinárias e 35% das preferenciais. No total, tem em mãos pouco menos de 70% do capital total da empresa. Além disso, há mais 5,5% das preferenciais em poder da Varig Log.

Consultada pela reportagem, a assessoria da Gol negou que o fechamento de capital esteja sendo considerado. Mas, até o início da noite de ontem, a companhia aérea não havia feito qualquer comunicado à bolsa ou à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), mesmo após a publicação de uma nota sobre o assunto no jornal "Folha de S. Paulo". Segundo fonte próxima à empresa, esse é um sinal de que a empresa não pode negar a questão perante os investidores, sob pena de ser punida caso a decisão final seja mesmo o fechamento de capital.

Muitos analistas e investidores receberam com ceticismo a informação de que a empresa - que também tem recibos de ações negociados nos Estados Unidos - poderia fechar seu capital. A avaliação é que uma decisão nesse sentido fecharia uma fonte importante de captação de recursos e seria mal vista pelos investidores.

"Os custos e o trabalho para sair da bolsa são muito altos", afirma Caio Dias, analista do Santander. "Não faria sentido ela fechar agora para abrir novamente no futuro, se precisasse captar mais recursos." Segundo ele, o que faria mais sentido é a empresa lançar um programa de recompra de ações, aproveitando-se da desvalorização que os papéis sofreram nos últimos meses. "Essa seria um forma de sinalizar ao acionista que o preço das ações não está justo."

Um analista de um banco estrangeiro que não quis ser identificado, acredita, entretanto, que existe, sim, uma oportunidade para o fechamento de capital. Segundo o profissional, o custo seria relativamente baixo levando-se em conta o preço atual das ações. A vantagem seria justamente não ter mais o compromisso de divulgar informações do negócio.

O valor da fatia de ações em circulação no mercado hoje (o chamado free float) é de R$ 2,3 bilhões. Cerca de 28% do capital total (e 60% do preferencial) está na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). Ontem, o papel da companhia encerrou o dia cotado a R$ 40,57, com alta de 2,94%. A valorização foi inferior à do índice Bovespa, de 4,28%.

A Gol está listada no segmento de governança corporativa diferenciada, o Nível 2. Nesse ambiente, as regras da Bovespa determinam que a realização de oferta pública para fechamento de capital sigam algumas regras especiais. Caso queira realmente deixar a bolsa, a empresa ou os controladores teriam de oferecer o valor econômico aos acionistas - jargão financeiro para o preço alcançado com base na projeção de fluxo de caixa do negócio. Trata-se da mesma metodologia utilizada pela maioria dos analistas financeiros para estimar o preço-alvo das ações em bolsa.

A lista dos preços-alvo calculados pelos analistas da empresa, disponível no próprio site de relações com investidores da Gol, aponta que a média dos cálculos dos especialistas é de R$ 54,40 para as ações. Caso utilizasse tal referência para balizar uma eventual oferta, a operação não sairia por menos de R$ 3,1 bilhões.

Ontem, os analistas tentavam imaginar que tipo de operação poderia estar atrelada a uma operação de fechamento de capital. Para um especialista, a estratégia faria sentido se houvesse um plano de listar as ações da holding que controla os negócios da família, a Comporte, debaixo da qual estão o grupo Áurea (de transporte rodoviário), a Gol, a Providência (fabricante de não-tecidos) e a BR Vias, de concessões rodoviárias, que recentemente se associou à espanhola Acciona.

O mercado antes via com algumas restrições a abertura de capital de holdings, mas isso vem mudando. A Laep, holding que controla a Parmalat, por exemplo, entrou com processo para listar suas ações em Luxemburgo. Outra que trilhou o caminho da abertura de capital no exterior foi a GP Investments, que, embora seja uma administradora de fundos de private equity, não deixa de se assemelhar a uma holding, com cultura própria.

O fechamento de capital da Gol, porém, poderia ter um efeito ruim entre os investidores, segundo apurou o Valor. "A iniciativa poderia prejudicar a imagem da família para negócios no futuro", explicou um analista. A Providência, por exemplo, encerrou há pouco a oferta pública inicial de ações na Bovespa, na qual captou R$ 468,7 milhões por meio de uma oferta primária (de novos papéis).

Além disso, o fechamento poderia encarecer o custo de capital da Gol, em razão da redução na quantidade de informações disponíveis, além de reduzir as alternativas de captação e de eliminar um instrumento importante de aquisições (as compras com pagamento em ações).

Para Eduardo Puzziello, da corretora Fator, o mercado receberia de forma negativa uma eventual decisão da Gol de fechar seu capital. "Esse movimento não cairia bem para os investidores. Não se justifica só porque o setor vive uma crise ou porque as ações estão baratas", diz.

Ontem, além de negar à imprensa o fechamento de capital, a assessoria da Gol desmentiu rumores crescentes de que a empresa está em fase adiantada de negociação de um contrato, com a Boeing, para equipar a VRG Linhas Aéreas com até 20 aeronaves 787 Dreamliner - o jato mais moderno da fabricante americana, que começará a ser entregue somente em 2008.

Apesar da baixa ocupação dos vôos da "nova" Varig, que foi de somente 38% no mercado doméstico em agosto, Nenê não demonstra arrependimento pela compra da aérea. Na divulgação do último balanço trimestral, a Gol responsabilizou a incorporação da VRG pelo prejuízo verificado.

Na controladora, a expectativa é de que o Conselho Administrativo de Direito Econômico (Cade) aprove a aquisição até o fim de dezembro. Os controladores acreditam que, de imediato, novas medidas operacionais podem reduzir em 20% o custo do assento por quilômetro-passageiro da VRG Linhas Aéreas. Ontem, por exemplo, a VRG, que opera a marca Varig, já anunciou um acordo com a Gol definindo que vendas em vôos domésticos da Gol possam ser conjugados com vôos internacionais da Varig.

A aprovação do Cade liberaria um code-share completo entre as duas empresas, integrando suas malhas aéreas, e daria mais liberdade à Gol para a compra de aeronaves para a "nova" Varig.