Título: País rejeita medida antipoluição da UE
Autor: Rittner, Daniel
Fonte: Valor Econômico, 19/09/2007, Brasil, p. A5

Ao longo desta semana, Brasil e Estados Unidos lideram uma aliança incomum na área ambiental, como forma de tolher a intenção da União Européia de implementar sobretaxas a companhias aéreas que pousarem em aeroportos europeus sem reduzir suas emissões de gases poluentes, a partir de 2012. O governo brasileiro considera que, além de contrariar frontalmente o Protocolo de Kyoto, as medidas planejadas pela UE podem ser prejudiciais à TAM, à Varig e à BRA - empresas que operam linhas regulares com destino à Europa.

Está em jogo uma indústria lembrada recentemente como vilã do aquecimento global, após o relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) ter demonstrado que a aviação corresponde a 13% de todas as emissões de gás carbônico provocadas pelo setor de transportes, ou 2% de todos os poluentes jogados na atmosfera por atividades humanas. O pior é que, segundo as projeções, o tráfego aéreo vai aumentar 6,4 vezes até 2050 e exigirá o consumo de 2,7 vezes o volume de combustível que era tragado pelos aviões em 1990. Novas tecnologias para monitorar o espaço aéreo por satélite, reduzindo o tempo de sobrevôo de uma aeronave à espera do pouso, e o aumento da eficiência das turbinas, cujo desempenho já melhorou 70% nos últimos 40 anos, devem ajudar a poluir menos o planeta - mas são avanços tímidos para fazer frente ao crescimento das emissões de gases do efeito-estufa pelo setor, uma conseqüência direta da popularização do transporte aéreo.

A partir de 2012, todos os vôos intercontinentais com partida ou chegada em aeroportos europeus estarão submetidas a regras recém-definidas por Bruxelas, que obrigam as companhias a diminuir o nível de emissões. De acordo com a Comissão Européia, braço executivo da UE, um simples vôo Londres-Nova York-Londres gera o mesmo volume de gases poluentes do que as emissões produzidas por uma família de classe média européia ao longo de um ano inteiro.

O cenário da briga, nesta semana, é a 36 Assembléia-Geral da Organização de Aviação Civil Internacional (Oaci), órgão ligado às Nações Unidas para monitorar o setor, que ocorre em Montreal. Tentando credenciar-se como protagonista da assembléia, o Brasil apresentará uma proposta de realizar, possivelmente em 2008, uma conferência internacional específica para discutir as emissões de gases do efeito-estufa pela aviação.

O argumento do Itamaraty - que, junto com a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), substitui pela primeira vez o Comando da Aeronáutica como porta-voz dos interesses brasileiros na Oaci - é que os vôos internacionais não estão contemplados no Protocolo de Kyoto e, portanto, não podem ser alvo de medidas para redução das emissões. Também alega que, ao sobretaxar potencialmente todas as companhias que pousam na Europa, a medida da UE pode causar prejuízos a países em desenvolvimento - o que contraria o princípio de "responsabilidade comum, mas diferenciada" sobre as mudanças climáticas.

Em última instância, a decisão européia significa ainda "rasgar" a Convenção de Chicago, assinada em 1944. Trata-se da "Bíblia" da aviação, em que os signatários sempre se pautaram pelo multilateralismo. O curioso é ver a UE, peça-chave na implementação do Protocolo de Kyoto, bombardeada por todos os lados nas discussões da Oaci. Os Estados Unidos têm elevado o tom e, junto com o Brasil, recebeu o apoio de todos os latino-americanos e demais membros da entidade internacional.

"Há uma clara polarização entre a UE e o resto do mundo", observa Alex Romera, superintendente de Estudos e Pesquisas da Anac. "Defendemos os princípios do multilateralismo e o respeito às premissas de Kyoto. O hemisfério sul tem, no máximo, 5% dos vôos do planeta. Não devemos responder pelos 95% restantes, muito menos ficar submetidos ao que pode significar, na prática, uma barreira não-tarifária."

A própria Comissão Européia, mesmo levando o investimento em aeronaves mais eficientes e a otimização das operações, admite que suas novas regras devem levar a um aumento médio de

? 1,80 a ? 8 nos vôos dentro da Europa. No caso de ligações intercontinentais, o aumento deve ser bem maior. Se a preocupação é grande nos Estados Unidos e no Brasil, a sobretaxa pode causar um desequilíbrio fatal às operações de companhias aéreas africanas na UE. Elas costumam usar aviões mais antigos - e menos eficientes -, o que elevará o valor das compensações ambientais.

Mesmo a Varig está operando jatos 767, da Boeing, com 10 a 15 anos de uso nas ligações para a Europa. O mesmo acontece com a BRA, que tem em sua frota um Boeing 767-200 que voou pela primeira vez há 24 anos. Embora sem riscos para a segurança de vôo, desde que haja manutenção adequada dos equipamentos, o consumo de combustível é substancialmente maior. Existe, ainda, um agravante na cobrança: a sobretaxa seria válida desde o início do vôo e não apenas quando o avião está em ares europeus.

Pela proposta da UE, as companhias ganhariam "cotas" para a emissão anual de gases causadores do efeito-estufa. As cotas fariam parte do esquema de comércio de emissões da UE, o que permitiria às empresas aéreas vendê-las se conseguirem reduzir suas emissões acima da meta, ou comprarem permissões se poluírem além do limite definido.

"A postura da UE tem nos causado bastante desconforto", reconhece um diplomata brasileiro que acompanha de perto as discussões. "O pior é que, neste exato momento, ainda estamos sem uma solução clara à vista."