Título: Decisão do Fed traz euforia a mercados
Autor: Lucchesi, Cristiane Perini ;Júnior, Altamiro Silva
Fonte: Valor Econômico, 19/09/2007, Finanças, p. C1

O corte de 0,5 ponto percentual nos juros americanos - para 4,75% ao ano nas taxas básicas dos "fed funds" e para 5,25% no redesconto - surpreendeu e trouxe euforia aos mercados no mundo todo. Em sua maior parte, as apostam eram de redução de 0,25 ponto percentual. Os analistas ouvidos pelo Valor recomendam cautela, no entanto, pois a grave crise de crédito nos EUA e Europa não acabou. A volatilidade poderá perdurar nas bolsas, dólar e juros futuros.

Em Nova York, as bolsas tiveram a maior alta em quatro anos, de 2,92% no índice Standard & Poor's. O risco-Brasil medido pelo CDS de cinco anos caiu 10,89%, para 90,80 pontos básicos. A Bolsa de Valores de São Paulo subiu 4,28%, para 56.666 pontos. O dólar despencou 2,29%, para R$ 1,8770 e os juros futuros projetados para janeiro de 2010 caíram 0,25 ponto percentual, para 11,53% ao ano. Daqui para a frente, todas as atenções estarão voltadas para os indicadores de crescimento americano e balanços de bancos e fundos.

Para o Brasil, a decisão poderá significar maior apreciação cambial, dado que o diferencial entre os juros internos, em reais, e externos, em dólar, cresceu, de 6,0 pontos percentuais, para 6,5 pontos percentuais, e que os investimentos externos na Bolsa de Valores de São Paulo podem voltar a crescer.

Se o dólar se mantiver em níveis mais baixos, vai ajudar o Banco Central na tarefa de segurar a inflação e permitir cortes nos juros básicos Selic, de 0,25 ponto básico pelo menos mais uma vez, avaliam os analistas. Para Ricardo Amorim, estrategista para América Latina do WestLB, a Selic deve ter mais dois cortes estes ano, terminando dezembro em 10,75% e ainda continuar a ser reduzida no início de 2008.

No entanto, para que os investidores externos voltem a realizar as operações que de "carry trade" - tomar empréstimos em dólar ou outras moedas fortes e investir em reais, ganhando o diferencial de juros, mas assumindo o risco cambial -, o nível de aversão ao risco de hoje precisa ser reduzido.

Gráfico montado pela Merrill Lynch desde 2003 mostra a correlação direta entre as taxas de juros básicas nos Estados Unidos (fed funds) e as bolsas dos mercados emergentes: quando um sobe, o outro sobe, e quando um baixa, o outro baixa. Por essa relação, as bolsas dos países emergentes tenderiam a cair, pois os dois respondem igualmente aos ciclos econômicos. "Mas, neste ciclo, o crescimento econômico global tem um impacto maior nos preços dos commodities e por isso a recessão nos Estados Unidos e os cortes do Fed terão de ser maiores para provocar um 'bear market' (mercado em baixa)" nos emergentes, avalia.

"O Fed (banco central dos Estados Unidos) achou que o empoçamento de liquidez era importante o suficiente para baixar mais os juros", comenta André Loes, economista-chefe do Santander. Mas, ao mesmo tempo em que injeta liquidez no mercado, muitos podem interpretar que o Fed está sinalizando também que a crise era mais grave do que se esperava, comenta. "Tudo vai depender da ação das autoridades monetárias daqui para a frente", avalia ele. "Se as perdas forem controladas e as quebras, evitadas, o Brasil pode passar quase ileso pela crise", acredita.

Para Marcelo Salomon, economista-chefe do Unibanco, o Fed agiu de maneira rápida e tirou a "ansiedade de curto prazo" dos investidores. Mas a dúvida que fica é se o banco central americano está sendo pró-ativo e agindo para conter uma recessão na economia americana ou, ao contrário, está sendo reativo. "A crise não acabou. O cenário continua de altíssima incerteza", afirma.

Para Amorim, o corte dos juros tranqüiliza consideravelmente os investidores e vai levar a altas "significativas" dos preços dos ativos, que podem atingir novos níveis recordes. Para ele, para a manutenção da calmaria, é necessário que o mercado de crédito se normalize e que os balanços dos bancos não tragam surpresas. Hoje, o Morgan Stanley divulga seus números. Amanhã é a vez do Goldman Sachs e do Bear Stearns. "Há o risco de os bancos estarem piores que o mercado imagina", diz Amorim. Já a crise do mercado de hipotecas americano está longe do fim, avalia. "Ainda vai precisar de uma correção de preços significativa nos imóveis", afirma.

O Departamento Econômico do Bradesco lembra, em análise, que o comitê do Fed manteve a porta aberta para novas reduções dos juros, mostrando que está pronto para reagir caso as perspectivas para o crescimento continuem negativas. O comunicado divulgado diz que "a ação de hoje tem como objetivo ajudar a conter parte do efeito (...)" Pode ser, portanto, necessário complementar a ação, em 31 de outubro.