Título: Os investimentos brasileiros no exterior
Autor: Augusto Martins, José ; Secches ,Carolina
Fonte: Valor Econômico, 19/09/2007, Legislação & Tributos, p. E2

A questão da licitude dos investimentos de pessoas físicas e jurídicas brasileiras no exterior há algum tempo não gera controvérsias. Desde que essas pessoas remetam legalmente estes recursos e os incluam em suas declarações de imposto de renda, recolhendo todos os tributos, e informem ao Banco Central (Bacen) seus bens e direitos detidos no exterior - caso o valor total desses bens ou direitos corresponda a ou exceda um montante fixado anualmente pelo Bacen -, não há dúvida sobre a legalidade desses investimentos.

Nos últimos anos, paulatinamente, as normas sobre esses investimentos vêm sendo alteradas, em um movimento crescente de liberalização que vai ao encontro das necessidades de diversificação ante a nova realidade econômica dos mercados, cada vez mais integrados e interdependentes. Assim foi em 2005, quando significativas alterações nas normas cambiais, trazidas pela Resolução nº 3.265 do Conselho Monetário Nacional (CMN) as tornaram mais flexíveis com relação às remessas de recursos ao exterior. Mais recentemente, houve outra modificação nas normas cambiais, que, embora sutil, teve efeitos relevantes. A Resolução nº 3.412, de 2006, também do CMN, alterou o artigo 10, parágrafo 2º da Resolução nº 3.265, de 2005, para permitir que brasileiros transferissem recursos para o exterior a título de investimento nos mercados financeiros e de capitais.

A Circular nº 3.348, de maio de 2007, do Bacen, passou a permitir operações de câmbio para transferências ao exterior por parte de fundos de investimento para fins de investimento, observados os limites estabelecidos pelas normas da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), bem como os limites de investimento no exterior aplicáveis a determinados investidores institucionais no Brasil.

As Instruções nº 450 e 456, ambas de 2007, da CVM, alteraram as regras referentes aos fundos de investimento previstas na Instrução nº 409, de 2004, para permitir que os fundos de investimento brasileiros possam investir em determinados ativos financeiros e valores mobiliários estrangeiros, dentro de alguns limites percentuais ali estabelecidos. O artigo 2º, parágrafo 5º da Instrução nº 409, conforme alterado, inclui dentre os ativos financeiros em que os fundos de investimentos podem investir, aqueles negociados no exterior, nos casos e nos limites admitidos naquela instrução, desde que a possibilidade de sua aquisição esteja expressamente prevista no regulamento do fundo de investimento, e tais ativos financeiros: (1) sejam admitidos à negociação em bolsas de valores, de mercadorias e futuros, ou registrados em sistema de registro, custódia ou de liquidação financeira devidamente autorizados em seus países de origem e supervisionados por autoridade local reconhecida; ou (2) tenham sua existência assegurada por entidade custodiante contratada pelo administrador do fundo, que seja devidamente autorizada para o exercício desta atividade em seu país de origem e supervisionada por autoridade local reconhecida.

-------------------------------------------------------------------------------- As regras de divulgação e oferta no Brasil de produtos negociados no exterior ainda são bastante restritivas --------------------------------------------------------------------------------

Ocorre que, com relação à divulgação e oferta, no Brasil, de produtos bancários e de mercado de capitais negociados no exterior, as regras existentes ainda são bastante restritivas. A rigor, tanto a oferta de valores mobiliários no país quanto a intermediação financeira são atividades permitidas somente a instituições financeiras autorizadas a funcionar no país. Não há regras claras, porém, se as instituições financeiras aqui estabelecidas poderiam captar recursos para investimentos nas suas associadas no exterior, oferecendo produtos financeiros e valores mobiliários registrados e negociados no exterior.

Há ainda a questão da necessidade de registro de oferta pública, no caso de emissão de valores mobiliários que visem a captação de recursos junto ao público. Conforme os Pareceres de Orientação nº 32 e 33, ambos de 30 de setembro de 2005, a CVM entende que a divulgação pública de valores mobiliários emitidos e negociados no exterior que atinjam o público brasileiro em geral, ainda que não intencionalmente, seja via internet ou não, caracteriza uma oferta pública nos termos da legislação brasileira aplicável, sujeitando-a ao registro prévio na CVM para que os investidores brasileiros possam participar.

A CVM comenta ainda que, em regra, o uso da internet como meio de divulgar a oferta de valores mobiliários caracteriza a oferta como pública, uma vez que a internet permite o acesso indiscriminado às informações divulgadas por seu intermédio. De fato, a Instrução CVM nº 400, de 29 de dezembro de 2003, que regulamenta as ofertas públicas de valores mobiliários, inclui em seu artigo 3º, como um dos elementos que poderá caracterizar a distribuição pública, "a utilização de publicidade, oral ou escrita, cartas, anúncios, avisos, especialmente através de meios de comunicação de massa ou eletrônicos (páginas ou documentos na rede mundial ou outras redes abertas de computadores e correio eletrônico)". Além disso, também não há regras específicas com relação à oferta, intermediação e venda de títulos do mercado secundário estrangeiro, ainda que sem oferta pública, que é, aliás, o mercado que mais movimenta esses tipos de investimento.

Assim, não há dúvida de que deveria haver uma harmonização das normas que regulam a oferta, divulgação, intermediação e venda de ativos financeiros e valores mobiliários pelas instituições financeiras estrangeiras, com representação no país ou não (talvez se estabelecendo uma distinção entre oferta pública e privada), com as normas cambiais e de fundos de investimento recentemente flexibilizadas. De outro modo, os investidores brasileiros podem ficar limitados quanto à existência de certos produtos e até mesmo não se beneficiarem da concorrência entre os ofertantes estrangeiros destes produtos, se for preciso prescindir desse conhecimento, ou só puder obtê-lo ativamente, na procura destes fora do país.

José Augusto Martins e Carolina Secches são advogados e, respectivamente, sócio e associada do setor bancário e financeiro do escritório Trench, Rossi e Watanabe Advogados

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