Título: Estratégia definida
Autor: Braga, Gustavo Henrique ; Martins, Victor
Fonte: Correio Braziliense, 16/01/2011, Economia, p. 15

Na rota da prosperidade, empresas se adaptam para oferecer produtos, serviços financeiros e infraestrutura às localidades em ascensão Acompanhando o desenvolvimento das cidades médias e o poder de consumo adquirido pelas classes C, D e E, as empresas brasileiras também passam por uma pequena revolução para aproveitar as oportunidades dessas novas fronteiras. Numa estratégia bem definida, a gigante alimentícia Nestlé criou um barco supermercado para levar seus produtos às comunidades ribeirinhas no Pará. O sistema financeiro fez projeto semelhante para chegar com caixas eletrônicos a essas regiões, que ainda contam com poucos serviços bancários.

Tais modelos de negócios mostram que uma determinante para geração de riqueza é a infraestrutura. O ABC Paulista e a própria cidade de São Paulo são exemplos disso. Até o século 19 o estado era uma das economias mais fracas do país. Até 1889, ano da inauguração da estrada de ferro Jundiaí-Santos, produzia quase que exclusivamente café. A ferrovia, a princípio, transportava apenas grãos, mas depois passou a levar pessoas e a indústria se instalou próxima das linhas férreas para escoar a produção. Assim, São Paulo saiu da condição de economia agrícola e se tornou a principal potência industrial brasileira.

Mobilidade

Na nova ordem global, a tecnologia em telecomunicações adquiriu papel tão importante quanto o transporte para a integração dos municípios. ¿Com a internet, trabalhar da cidade ou do campo não faz tanta diferença quanto fazia no passado. A mobilidade mudou o próprio conceito das formas de se trabalhar¿, afirma Diana Motta, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

A escalada de preço das commodities (mercadorias básicas com cotação internacional, como produtos agrícolas e minérios), que se acentuou principalmente entre 2003 e 2008, e após a crise global voltou a se intensificar, também contribuiu para o crescimento das cidades médias. As economias que eram dependentes do agronegócio passaram a registrar fortes ganhos. Com essa rentabilidade, parte delas agregou valor aos produtos. Algumas criaram, a partir daí, uma pujante indústria alimentícia e, na esteira desse movimento, um setor de serviços poderoso. ¿O Brasil, como exportador de commodities, dinamizou a economia dessas regiões com a valorização dos produtos¿, justifica Fábio Romão, da LCA Consultoria.

Superior à China

» VICTOR MARTINS Enviado especial

Rio Verde (GO) ¿ Condomínios de luxo, modificações no trânsito e complexos industriais gigantescos. Nos últimos 10 anos, Rio Verde mudou seu perfil de agrícola para industrial. Agora, numa nova transformação, consolida-se também como uma pujante economia de serviços, segmento que já gera mais riqueza que os outros. A cidade ao sul de Goiás é mais uma a quebrar a hegemonia que ainda faz a balança da riqueza pender para o Sudeste. Entre 1999 e 2008, o Produto Interno Bruto local (PIB, soma das riquezas geradas) passou de R$ 642,7 milhões para R$ 3,6 bilhões ¿ um avanço de 462,4% em nove anos. Com uma impressionante expansão média de 51,3% por ano, os rio-verdenses superam, de longe, o desempenho chinês.

O município já nasceu empreendedor. Por volta de 1840, o governo isentava de impostos a criação de gado bovino e equino que migrassem para a região. Com o passar dos anos, os fazendeiros começaram a plantar soja, milho, algodão e cana de açúcar. Em 1970, cansados de ter os preços ditados pela indústria paulista, os produtores decidiram criar sua própria fábrica e processar a colheita, embalar e vender. Atualmente, a cooperativa da região emprega 3 mil trabalhadores na unidade fabril. Além de óleo de cozinha, eles fazem sabão, ração animal e adubo, beneficiam soja e processam leite.

A cidade também atrai pelas estradas, quase todas duplicadas. A região faz parte da rota da cana de açúcar e do etanol. Toda essa prosperidade atraiu outras indústrias, especialmente de alimentos, com a presença da Sadia e da Cargill, num parque industrial com quase 500 empreendimentos. Uma nova área está sendo preparada para receber pelo menos mais 300 fábricas. Com tantas empresas e postos de trabalho, os filhos de Rio Verde não precisam mais deixar a terra natal. Júlio César Ferreira, 38 anos, trabalha como assistente de classificação de garrafas de óleo. Ele coordena uma parte da fábrica que controla as embalagens que serão usadas no envase de óleo. ¿Comecei como auxiliar e fui promovido. Nunca precisei sair da minha cidade em busca de emprego. Tudo o que preciso tenho aqui¿, orgulha-se.

Construção

A riqueza chamou a atenção também da construção civil. Em meio às casinhas antigas, espigões residenciais são erguidos como símbolo de riqueza e da verticalização da cidade. Prédios de até 30 andares começam a esconder o horizonte. A expectativa é que com a ferrovia Norte-Sul, que vai passar pela cidade, mais empresas se interessem pela região.

A expansão dinamizou a construção de imóveis em Rio Verde. Hoje, existem mansões em condomínios superluxuosos a preços superiores a R$ 1 milhão. ¿Nos últimos 10 anos, houve um boom imobiliário. A maioria dos prédios da cidade é nova, com menos de cinco anos¿, afirma a corretora Pollyanne Cruvinel, 28 anos, testemunha da rápida transformação no perfil do município.

O crescimento físico somou-se ao avanço populacional e da frota de veículos novos e de alto padrão. Rio Verde passou a ser uma ¿cidade pequena¿ com trânsito de lugar grande, com direito até a congestionamentos. A solução foi mudar o funcionamento das ruas. Não existem mais vias de mão dupla e os semáforos e controladores de velocidade se espalharam. Mas ninguém reclama.

¿Rio Verde está longe de ficar estagnada. Temos muitas áreas para crescer e para receber empresas. Estamos a pleno vapor. Temos isenção de ICMS e matéria prima em abundância para fomentar o desenvolvimento¿, afirma Antonio Chavaglia, presidente da Cooperativa Mista dos Produtores Rurais do Sudoeste Goiano (Comigo), dona do primeiro complexo industrial da cidade.