Título: Planalto aguarda indiciamento para decidir sobre futuro de Walfrido
Autor: Costa , Raymundo
Fonte: Valor Econômico, 19/09/2007, Política, p. A8

Walfrido reconhece anotações com sua caligrafia, mas nega envolvimento: "Eu não era coordenador, nem cuidava da parte financeira na campanha de 1998" A eventual denúncia do Ministério Público Federal contra os integrantes do esquema que se convencionou chamar de "mensalão mineiro", o equivalente no PSDB do mensalão do PT, deve alcançar também o Palácio do Planalto: um dos principais acusados de integrar o suposto esquema é o ministro das Relações Institucionais, Walfrido dos Mares Guia, o articulador do presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas relações com o Congresso.

Lula não pensa em afastar o ministro, pelo menos até que o inquérito da Polícia Federal seja transformado em denúncia efetiva do procurador Antonio Fernando de Souza ao Supremo Tribunal Federal (STF). Mas há tensão no governo, não só pelo precedente da denúncia contra "os 40 do PT", como do acatamento, pelo STF, do pedido de abertura dos processos. Um sinônimo de crise, segundo se avalia, pois boa parte do Congresso estaria respondendo então ao Judiciário.

O "mensalão mineiro" é considerado o projeto-piloto que depois foi ampliado para o mensalão do PT. Seu autor seria o mesmo, o empresário Marcos Valério de Souza. A diferença é que teria sido organizado para financiar a campanha do hoje senador Eduardo Azeredo (PSDB) ao governo de Minas Gerais. Walfrido teria indicado as pessoas que deveriam receber os valores. O publicitário Duda Mendonça aparece nos dois casos como tendo recebido recursos financeiros no exterior.

Walfrido nega que tenha exercido a função de coordenador da campanha de Azeredo em 1998, mas sua situação é considerada delicada no PT e em seu próprio partido, o PTB. Lula, no entanto, não pretende precipitar alguma decisão em relação ao coordenador político do governo. O presidente, de acordo com interlocutores assíduos, estaria "vacinado" em relação às denúncias vazadas da Polícia Federal. O exemplo mais citado é o do ex-ministro Silas Rondeau (Minas e Energia). Lula arrependeu-se de tê-lo demitido sem antes ter provas de acusação de que o auxiliar havia recebido propina.

À época, foi divulgado um vídeo em que uma mulher se dirigia ao gabinete de Rondeau levando um envelope, dentro do qual haveria R$ 100 mil. Uma perícia realizada posteriormente levou Lula a se convencer que o que a mulher tinha em mãos era uma folha de papel, nunca um envelope com R$ 100 mil acondicionados. O presidente decidiu então chamar Silas Rondeau de volta ao governo, mas a Polícia Federal vazou outra informação, segundo a qual o vídeo não era a única prova de que dispunha contra o ex-ministro.

Diante disso, Lula resolveu esperar pela decisão do procurador Antonio Fernando de Souza: se ele indiciar Silas Rondeau, o interino que responde pelo Ministério das Minas e Energia será efetivado no cargo; em caso contrário, o ex-ministro, que é afilhado político do senador José Sarney (PMDB-AP), volta para o comando da Pasta. É a lógica que deve ser seguida também em relação ao ministro Walfrido dos Mares Guia, na hipótese de o procurador achar que há indícios suficientes, no inquérito da Polícia Federal, para pedir a abertura contra ele de processo penal.

Tanto no Planalto quanto no governo a avaliação é que dificilmente Antonio Fernando de Souza tomará uma decisão diferente em relação à que tomou no caso do mensalão petista - o inquérito da Polícia Federal demonstraria que os dois foram idênticos. No caso específico de Walfrido há inclusive anotações com sua caligrafia, que ele reconhece como sendo de previsões de gastos para uma futura campanha, tanto que o ex-governador Hélio Garcia, que aparece nos papéis como eventual candidato ao Senado em 1998, acabou não concorrendo.

Na hipótese, considerada provável, de o Ministério Público Federal pedir a abertura do inquérito contra os integrantes do suposto "mensalão mineiro", a avaliação entre os governistas é que dificilmente o Supremo terá condições de recusar a demanda, tendo aceito o pedido feito contra "os 40 do PT" quase que integralmente nos termos formulados pelo procurador Antonio Fernando de Souza. Nesse caso, o afastamento de Walfrido do governo é considerado inevitável. Mas pelo menos até ontem a hipótese de o cargo voltar ao PT era considerada remota, apesar de o partido se ressentir de ter ficado inteiramente de fora da articulação política do governo, no segundo mandato de Lula. Além disso, os petistas voltam a conviver com uma crise interna, enquanto não definem quem ficará com o comando da legenda.

Outra preocupação do governo é com o empresário Marcos Valério de Souza, apontado como o operador dos dois esquemas - seria ele quem arrecadava e distribuía os recursos. Segundo informações que chegaram ao Palácio do Planalto, o empresário teria recebido muito mal a decisão do STF que determinou a abertura de inquérito contra os integrantes do que classificou de "quadrilha criminosa", no caso do mensalão do PT. Marcos Valério, de acordo com essas informações, estaria "transtornado" com a decisão.

Isso porque, ao contrário dos outros 39 denunciados, Valério teria sido o único com processo aberto em relação a todos os crimes apontados pelo procurador, de formação de quadrilha à corrupção ativa. Somadas todas as penas a que pode ser condenado, caso seja essa a sentença do STF, ele poderia receber uma pena a mínima de 36 anos de prisão. O empresário teria sido sondado sobre uma possível "delação premiada", com a qual poderia negociar a redução das penas, mas teria negado a oferta. Mas ninguém sabe qual pode ser sua reação no caso de receber um tratamento idêntico do Ministério Público Federal e do Supremo.