Título: STF deverá ser conservador ao usar súmula vinculante
Autor: Fernando Teixeira
Fonte: Valor Econômico, 28/01/2005, Legislação & Tributos, p. E1

Aprovada sob críticas de diversos setores ligados à Justiça, a súmula vinculante disputa com o controle externo o título de ponto mais controverso aprovado pela Emenda Constitucional nº 45, que implantou a reforma do Judiciário. O que se espera no meio jurídico é que o Supremo Tribunal Federal (STF) deva usar o instrumento com parcimônia, até mesmo pela tradição conservadora da corte, que edita súmulas - ainda que não vinculantes - em intervalos que chegam a 20 anos. A súmula vinculante, no entanto, traz a expectativa de redução do volume de processos em tramitação e de uma maior previsibilidade sobre o posicionamento da Justiça. No meio jurídico, espera-se que os temas de direito público, como questões tributárias e previdenciárias, ações ligadas a planos econômicos e pendências entre governo e servidores públicos sejam os mais recorrentes das novas súmulas. Esses assuntos envolvem processos repetitivos que, sozinhos, atraem milhões de ações ao Judiciário. A última das grandes disputas, relativa aos reajustes dos benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) no início do Plano Real, foi responsável por mais de 1,1 milhão de ações no país. O que a reforma do Judiciário estabelece é a adoção, pela Justiça de primeira e segunda instâncias e pela administração pública, do mesmo posicionamento do Supremo quando o tema em questão for objeto de súmula vinculante, editada pela corte após reiteradas decisões no mesmo sentido e com maioria de dois terços dos ministros. Uma de suas vantagens é o poder de evitar recursos e novas ações envolvendo o poder público em questões consideradas pacificadas. Isso reduziria a participação do governo no volume total de processos - que, na Justiça Federal, foi de 61% em 2003. Segundo o ministro do Supremo Gilmar Mendes, a súmula vinculante tem aplicação direta à administração pública, o que significa que um assunto sumulado deverá resultar em um pedido administrativo ao Estado, sem passar pelo Judiciário. De acordo com o ministro, a vinculação das decisões do Supremo é uma tendência que vem se consolidando no Brasil desde o início da década de 90. O primeiro movimento, diz, veio com a Emenda Constitucional n° 3/1993, que atribuiu efeito vinculante à Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC). A vinculação foi estendida depois à Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) pela Lei n° 9.868/1999 e, no mesmo ano, a Lei n° 9.882 criou a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), uma espécie de Adin aplicável às leis anteriores a 1988. "É uma tendência inevitável de qualquer corte de perfil constitucional", diz Gilmar Mendes. O ministro afirma que não há no Supremo discussões sobre o que será sumulado nem quando isso vai ser feito. Os temas, diz, deverão envolver as chamadas disputas de massa, como as previdenciárias. Temas tributários só serão interessantes se envolverem um grande número de processos. Mas, para o advogado Carlos Roberto Siqueira Castro, sócio do Siqueira Castro Advogados com grande atuação no Supremo, a súmula deverá atingir temas tributários, pois estes envolvem quase sempre temas constitucionais e geram milhares de recursos ao tribunal superior. A previdência, ainda que gere muitos processos, trata comumente de questões fáticas, sobre casos individuais. A súmula em temas tributários, diz Castro, terá um efeito pedagógico sobre o poder público para evitar recursos protelatórios e dará maior previsibilidade ao posicionamento do Judiciário. Outra área que poderia ser interessante, diz Castro, é a regulatória. Além de gerar algumas disputas de massa - como as que envolvem revisão de índices de correção das tarifas - geram insegurança jurídica devido ao surgimento de posicionamentos divergentes nas instâncias inferiores. Para o estudioso do Supremo Oscar Vilhena Vieira, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), a aprovação de súmulas vinculantes pelo Supremo deverá ser moderada. Ele diz que o tribunal é prudente e conservador ao empregar medidas novas. Além disso, a súmula vinculante será um teste para o poder da corte. Vilhena cita um exemplo: quando o Supremo decidiu a favor do governo no caso da correção dos recursos aplicados em caderneta de poupança, confiscados durante o Plano Collor, os juízes de São Paulo concederam mais de 300 mil mandados de segurança dizendo que era inconstitucional a decisão do Supremo. O Supremo é um tribunal prudente mesmo na aprovação de súmulas convencionais. Em 2003, editou um grande lote de 114 enunciados. Mas antes disso houve apenas um lote de 15 súmulas em 1984, e as súmulas anteriores são de 1976. Já o Superior Tribunal de Justiça (STJ) editou 306 súmulas desde 1990. Hoje ainda há um impasse jurídico em torno da possibilidade de revogação da súmula vinculante. Segundo algumas interpretações, o texto aprovado pelo Congresso indica que a revogação ainda depende da aprovação da regulamentação em lei. Contudo, segundo o presidente do Supremo, Nelson Jobim, o texto dá às associações de magistrados e a outras entidades legitimadas para ajuizar Adins o poder para questionar as súmulas. E completa: "A lei a ser aprovada serviria para ampliar esse leque de legitimados. Queremos dar direito até aos demais tribunais de fazer reclamação junto ao Supremo contra uma súmula aprovada". (Colaborou Josette Goulart, de São Paulo, e Thiago Vitale Jayme, de Brasília)