Título: Ibovespa 60 mil?
Autor: Pavini, Angelo
Fonte: Valor Econômico, 27/09/2007, EU & Invertimento, p. D1

A exuberância está de volta na bolsa. O Índice Bovespa, que reúne os papéis mais negociados do mercado brasileiro, não só recuperou as perdas da recente crise das hipotecas americanas de alto risco, conhecidas como "subprime", como se aproxima da marca histórica dos 60 mil pontos, consolidando o quinto ano seguido de alta, com ganho de 34,27% em 2007. O Ibovespa, aliás, foi o primeiro a dar a volta por cima quando se observa os principais índices das américas, conforme estudo da consultoria Economática - em Nova York, o Dow Jones ainda não voltou aos 14 mil pontos de 19 de julho, véspera da tormenta.

A recuperação se deve à queda dos juros americanos em 0,5 ponto percentual no dia 19 último e à profissão de fé de Ben Bernanke, o presidente do Fed, o banco central americano, de fazer de tudo para evitar uma recessão nos EUA. Com esse aval, os investidores recuperaram o apetite pelo risco e os preços das commodities dispararam, puxando junto as ações do setor, especialmente Petrobras e Vale do Rio Doce que, sozinhas, sustentaram a recuperação da Bovespa. A ação preferencial (PN, sem voto) série A da Vale acumula em 30 dias alta de 30% e Petrobras PN, 20%.

Mas antes de sair comemorando o possível pentacampeonato da bolsa brasileira, o investidor deve tomar cuidado. Tamanha euforia traz também uma elevada dose de risco, alertam os analistas, que chamam a atenção para a velocidade da recuperação e para o fato de ela estar baseada na idéia de que a possibilidade de uma recessão americana está afastada. Um reflexo desse otimismo aparece nos setores ligados às commodities, como siderurgia, mineração e petróleo, bateram nesta semana os maiores preços de sua história, conforme estudo da Economática. "Chama a atenção que os bancos não estão nessa lista", diz Einar Rivero, autor do estudo. Outro fator que mostra o risco de entrar no mercado agora é o fato de que os preços atuais das ações estão muito perto das estimativas de preços justos médios calculados pelas corretoras.

O que preocupa é que a Bovespa dispara, enquanto o ambiente econômico nos Estados Unidos piora na margem, avalia Caio Megale, sócio da Mauá Consultoria. "Mas o Fed disse que vai ajudar, todos acham, então, que não vamos ter uma catástrofe e as commodities vão deslanchar, e nós junto", diz ele, dando o exemplo do níquel, que disparou e puxou junto a Vale. Megale considera "inacreditável" o índice chegar a esse nível tão rápido depois da crise - no dia 19 de agosto, o índice chegou a bater 45 mil pontos - e diz que a atitude da Mauá é de cautela. "Estão subestimando a situação da economia americana nos próximos meses, por isso optamos por não aumentar muito os investimentos em ações", diz. Megale acha também que o Brasil pode ser alvo de uma bolha de investimentos. "É uma economia arrumada, que cresceu pouco nos últimos anos, pode ter uma enxurrada de dólares", diz. Para ele, os fundamentos da bolsa permitiriam ao Ibovespa bater 63 mil pontos, 5% acima do nível atual. "Já é um ganho pequeno para quem entrar agora se comparado aos juros de 11% ao ano e ao risco da bolsa", diz.

A Bovespa surpreendeu tanto pela rapidez da queda quanto da alta, diz Ronaldo Patah, da Unibanco Asset Management (UAM). Para ele, o investidor deve ter muita cautela nesse nível de preços, especialmente em papéis de commodities, como Petrobras e Vale. "Os preços das ações de commodities estão perto dos preços justos, especialmente Vale e Petrobras, e o risco de uma realização é alto", diz ele, lembrando que os riscos de recessão nos EUA e preços no pico formam uma combinação perigosa. "Sabemos que o Fed está atento para tentar evitar uma recessão, mas o mercado imobiliário não deve melhorar, os preços das casas devem cair e isso vai afetar o consumidor americano e a economia", diz.

Patah nota um descolamento entre o mercado americano e os emergentes, o que fez surgir o receio de uma bolha nesses mercados. "Mas hoje ainda não estamos com preços fora da realidade", diz ele, que trabalha com uma projeção de Ibovespa em 62.500 pontos para julho de 2008. O potencial de alta das "blue chips" (ações mais líquidas), portanto, é pequeno. Por isso, Patah sugere a quem for entrar agora setores fora de commodities, como bancos, consumo, bens de capital, infra-estrutura e setores menores, as ações chamadas de "small caps."

Há muitas dúvidas no cenário de curto prazo por conta da possibilidade de revisão das estimativas de crescimento econômico dos países, especialmente dos Estados Unidos, diz Mônica Araújo, chefe de análise da Ativa Corretora. Ela mantém, porém, a projeção para o Ibovespa em 64.700 pontos para junho de 2008. "Não estamos revendo essa estimativa", diz. No Brasil, ela vê a economia andando bem, com o segundo semestre positivo para a economia, o que beneficiará setores ligados ao consumo e à renda. Ela não vê ainda impacto no curto prazo para as commodities, uma vez que a demanda continua forte, mas destaca que Petrobras e Vale já subiram bastante.