Título: As lições do dragão chinês
Autor: Troyjo, Marcos
Fonte: Correio Braziliense, 16/01/2011, Opinião, p. 23

Ao longo da primeira década do século 21, a China vem se consolidando como principal parceiro comercial do Brasil. Durante décadas, esse papel coube aos EUA. Mas, para além dos contratos na área do complexo soja, minério de ferro, outros derivados minerais e petrolíferos, cabe perguntar: qual o mais importante negócio que os brasileiros levam da China? Talvez a resposta seja ¿ uma lição.

Há 30 anos os dois países viviam cenário complexo, em que o Brasil apresentava claras vantagens. Se alguém tivesse de colocar fichas no país que, ao limiar do terceiro milênio passaria a ter um dos três maiores PIBs do mundo em poder de paridade de compra, seguramente as maiores apostas seriam feitas no Brasil. Crescíamos no início dos 70 a taxas em torno de 10% ao ano ¿ o "milagre" brasileiro.

A China vivia o terceiro ano sem a liderança de Mao-Tsetung e o rescaldo da Revolução Cultural. Era ator desimportante do comércio internacional. Mesmo no panorama dos países comunistas, o cisma sino-soviético havia cerceado o perfil exportador chinês. Ambos, Brasil e China, apresentavam, no entanto, uma semelhança fundamental, superada pela China nos dias de hoje: a ausência de mecanismos internos de geração de poupança.

O Brasil remediara essa situação por meio de empréstimos internacionais ao longo de todo século 20, particularmente no pós-II Guerra. Razões econômicas, mas também geopolíticas, alinharam-se para produzir crédito fácil e barato. Foi apenas natural, portanto, que a poupança importada viesse mediante contratos a juros flutuantes.

Em 1979, há o segundo choque de petróleo. A China restabelece suas relações com os EUA. No ano seguinte, recebe status de nação mais favorecida no comércio com os EUA. O Brasil, a partir de 1981, passou a sofrer com as astronômicas taxas de juros internas norte-americanas.

Mesmo assim, em 1984, o Brasil exportou para os EUA US$ 7 bilhões; a China, US$ 3,8 bilhões. Em 2010, o Brasil terá exportado para os EUA algo em torno de US$ 20 bilhões, enquanto a China ultrapassará US$ 350 bilhões.

No limite, tradicionalmente há apenas duas maneiras de combater essa enfermidade que é a falta de poupança interna: endividamento público e privado ou a estratégia de acumular saldos comerciais. A primeira implica crédito na praça. A segunda, o sacrifício de uma ou duas gerações, que consomem menos em nome da formação da poupança nacional.

O Brasil tem historicamente aproveitado ciclos de liquidez da economia mundial para endividar-se. A China, por seu turno, optou por política de câmbio depreciado, baixa remuneração comparativa da mão de obra. Logrou ainda, mediante entendimentos políticos iniciados pelo quarteto Nixon/Mao/Kissinger/Chu-Enlai, acesso privilegiado ao mercado dos EUA. Para os países que escolheram a via do endividamento, os 80 conformaram década perdida, em especial na América Latina. Nos 90, uma década desperdiçada, em que apenas um punhado de países mantiveram deficits comerciais sustentados com os EUA, na exuberância das compras do exterior. O Brasil foi um deles. O medicamento dos anos 90 tinha no rótulo, grosso modo, o nome Consenso de Washington ¿ liberalização da conta-capital, acesso desimpedido de ativos financeiros à procura de estabilidade cambial com moeda nacional forte e combinada com elevadas taxas internas de juros. Tudo isso endossado pelo carimbo do FMI. Os que optaram por essa posologia, como Brasil, Argentina e México até o derretimento do peso em dezembro de 1994, cresceram em patamares insuficientes.

Outra estratégia, que combina câmbio competitivo, economia voltada às exportações e atração de Ieds (investimentos estrangeiros diretos) interessados nessas vantagens para competir em terceiros mercados, levou a China a médias de crescimento sustentado de 10% ao ano. Poderíamos chamar a estratégia, implementada a fórceps, de Consenso de Pequim. O Consenso de Washington foi feito às abertas ¿ seduziu países que conheceram seus cânones. Já o Consenso de Pequim deu-se de forma reservada, decidida pelos mandarins vermelhos do PC chinês e obedeceu a três tempos: (i) entendimento político, (ii) exportações como motor da economia e (iii) modelo concentrador de renda e poder nas mãos do Estado.

O Brasil precisa evitar a tentação financeira de curto prazo e perseverar na estratégia preferencial de ações de promoção comercial. E multiplicar iniciativas de diplomacia empresarial, aprendendo as lições que nos ensina o dragão chinês.