Título: Brasil volta a depender mais do saldo das commodities
Autor: Landim , Raquel
Fonte: Valor Econômico, 27/09/2007, Brasil, p. A3

Começam a aparecer os primeiros sinais que podem derrubar a idéia de que ocorreu uma mudança estrutural na balança comercial brasileira. Há temores de que o saldo do país nas trocas com o exterior esteja caminhando novamente para depender apenas de commodities, um padrão de 15 anos atrás.

O aquecimento do mercado interno e os efeitos defasados da valorização do câmbio reduziram os superávits de setores estratégicos no primeiro semestre deste ano. Até agora, esses seis segmentos - veículos automotores, peças, têxteis, material elétrico, minerais não-metálicos e outros produtos alimentares - vinham aumentando os superávits, apesar do real forte.

Segundo levantamento da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex), obtido pelo Valor, o saldo comercial desses setores caiu US$ 1,6 bilhão no primeiro semestre do ano em relação ao mesmo período de 2006, de US$ 4,7 bilhões para US$ 3,1 bilhões. Enquanto os reajustes de preço contribuíram positivamente com US$ 306 milhões, a quantidade exportada caiu US$ 1,8 bilhão.

No caso de veículos automotores, o saldo comercial sofreu um tombo de US$ 441 milhões de janeiro a junho de 2007 em relação ao primeiro semestre de 2006, de R$ 2,3 bilhões para R$ 1,9 bilhão. Em peças, a queda foi mais expressiva: US$ 737 milhões, de US$ 1,748 bilhão para US$ 1,011 bilhão. O setor têxtil passou de R$ 251 milhões de superávit na primeira metade de 2006 para déficit de R$ 38 milhões de janeiro a junho deste ano.

"Esses setores, que pareciam ter quebrado um paradigma, podem estar fazendo o caminho de volta", diz Fernando Ribeiro, economista da Funcex. "Houve mudanças, mas não tão profundas como se imaginava", acrescenta. Ele ressalta que, se essa previsão se confirmar, a balança comercial brasileira voltará a depender das vendas de commodities, que são altamente superavitárias.

No primeiro semestre, 12 setores ligados a commodities - extrativa mineral, siderurgia, açúcar e café, entre outros - foram os responsáveis por todo aumento do saldo da balança comercial. Esse padrão estava mudando ao longo do tempo. Na comparação entre os biênios 2001/2002 e 1997/1998, veículos, peças, têxtil, minerais não-metálicos, outros produtos alimentares e material elétrico contribuíram com 40% da alta do superávit. Em 2005/2006, na comparação com 2001/2002, esse percentual caiu para 22,5%. No primeiro semestre deste ano, esses setores deram contribuição negativa para o saldo.

"Esse resultado é conseqüência de falta de investimento. Pode não ter ocorrido investimento suficiente na economia para financiar uma mudança estrutural", diz Ribeiro. Durante os últimos anos, a taxa de investimento do país está se mantendo abaixo de 20% do Produto Interno Bruto (PIB). Em 2003, esse indicador atingiu seu percentual mais baixo: 15%. No ano passado, a taxa de investimento se recuperou um pouco - 16,8% do PIB.

O caso de veículos é emblemático. As montadoras investiram durante a década de 90, apostando no crescimento do mercado interno. Como as vendas no Brasil decepcionaram, as empresas se voltaram para o exterior, para reduzir os prejuízos da alta capacidade ociosa. Agora que o mercado interno finalmente reagiu, já falta capacidade produtiva para exportar.

Ao longo dos anos, a balança comercial brasileira apresenta uma divisão clara. Entre os setores altamente superavitários, 90% estão ligados a commodities. Os altamente deficitários se dividem em três grupos: petróleo, químicos e produtos com maior intensidade tecnológica, como máquinas e equipamentos e produtos eletroeletrônicos.

As transformações vividas pela economia brasileira nos últimos anos afetaram os setores de forma generalizada. Em 1997 e 1998, por conta da valorização cambial e do crescimento da economia, a performance das vendas externas da maioria dos segmentos foi prejudicada e o país apurou déficit médio anual de US$ 6,7 bilhões. Em 2001 e 2002, o movimento foi o inverso. A depreciação do real, aliada ao fraco desempenho da economia, impulsionou as exportações, que atingiram média anual de US$ 7,9 bilhões no período.

Em 2005 e 2006, apesar da valorização da moeda brasileira, o superávit comercial do país explodiu para US$ 45,4 bilhões por ano, em média. Boa parte desse desempenho é efeito da elevação do preço das commodities, puxada pelo crescimento mundial, mas setores como veículos, peças e têxteis também conseguiram aumentar seus superávits, apesar do câmbio valorizado. Por conta disso, ganhou força entre os economistas a tese de uma mudança estrutural na balança comercial brasileira, que deixaria de oscilar aos sabores do câmbio. No entanto, os resultados do primeiro semestre deste ano começam a contrariar essa idéia.

Ribeiro descarta que exista uma "doença holandesa" no Brasil, que ocorre quando uma forte alta de preços de uma commodity valoriza a moeda e prejudica os manufaturados. Ele explica que o ganho de termos de troca do país entre 2005/2006 e 2001/2002 é de apenas 1,9%. Para o economista, o país está simplesmente retomando seu velho padrão de exportação.