Título: PF investiga envio de cartas com pó verde para embaixadas em Brasília
Autor: Romero, Cristiano
Fonte: Valor Econômico, 25/10/2007, Brasil, p. A2

Representações diplomáticas de pelo menos 20 países receberam nos últimos dois dias, em Brasília, cartas contendo um "pó verde". A carta, enviada de São Paulo e remetida com o nome do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, fez a embaixada dos Estados Unidos, preocupada com a possibilidade de terrorismo, fechar as portas na manhã de ontem. Na parte da tarde, apenas os funcionários americanos da embaixada trabalharam. A Polícia Federal (PF), que está liderando as investigações do caso, acredita na possibilidade de "trote", uma vez que já teria constatado que o pó é inofensivo.

A primeira missão diplomática a receber a carta foi a do Canadá. A embaixada comunicou o fato à polícia e ao Ministério das Relações Exteriores, que imediatamente emitiu circular às outras embaixadas e acionou o Batalhão do Rio Branco - seção da polícia militar de Brasília destacada para cuidar da segurança dos diplomatas -, o Batalhão de Operações Especiais (Bope), a Defesa Civil, o Corpo de Bombeiros e a Polícia Federal.

Ao longo de terça-feira e de ontem, várias embaixadas informaram às autoridades brasileiras que também receberam a carta com o "pó verde". A PF se recusou a revelar a lista das representações diplomáticas, mas sabe-se que, além das embaixadas dos EUA e do Canadá, foram alvo do possível trote as missões da China, Dinamarca, Bélgica, Irã, Peru, Holanda, Israel, Reino Unido, Síria, Alemanha, Bolívia e Arábia Saudita.

"A carta tinha um pó com cheiro estranho", revelou Pan Mingtao, assessor de imprensa da embaixada da China. A secretária da embaixada, que teria tido contato com o pó, foi encaminhada a um hospital para fazer exames. O Instituto Nacional de Criminalística (INC), ligado à Polícia Federal, está analisando a substância e deve concluir o trabalho em no máximo 72 horas.

Das embaixadas procuradas pelo Valor, apenas as da China e dos Estados Unidos concordaram em falar sobre o assunto. As missões da Bélgica e da Dinamarca alegaram que não tinham permissão para tratar do assunto com a imprensa e que o silêncio foi uma recomendação feita pelo Ministério das Relações Exteriores. "A ordem é que apenas o Itamaraty, por meio da Coordenação Geral de Privilégios e Imunidades (CGPI), fale sobre o caso", disse um assessor de nome Eric, da embaixada da Dinamarca. Antes de responder à consulta do Valor, ele pediu licença para consultar a área de segurança da embaixada. Outras embaixadas também se recusaram a prestar esclarecimentos.

A CGPI é uma seção do cerimonial do Ministério das Relações Exteriores. A assessoria do ministério negou que o Itamaraty tenha ordenado as embaixadas a não falarem sobre o assunto. "Pode ter sido uma recomendação da polícia. O Itamaraty não proibiu ninguém. Isso não existiu. O que ocorre é que algumas embaixadas estão fazendo essa alegação para não atender à imprensa", disse um assessor, que pediu anonimato.

O episódio das cartas com "pó verde" ocorreu apenas uma semana depois de o Itamaraty promover seminário sobre segurança nas embaixadas. Até o momento, o que se sabe sobre as cartas é que elas foram postadas de uma só vez numa agência dos Correios em São Paulo. Como foram enviadas de forma indiscriminada, ou seja, para países que, no cenário internacional, estão se colocando em lados opostos - EUA e Irã, Israel e Síria, por exemplo -, o objetivo, na avaliação de um diplomata brasileiro, não teria sido político. "Tudo indica que foi trote", disse ele.

Cartas contendo substâncias químicas têm preocupado autoridades em todo o mundo desde que, em 2001, poucos dias depois dos atentados terroristas do 11 de Setembro, nos EUA, encomendas contendo antraz foram enviadas a várias pessoas, fazendo cinco vítimas fatais. O antraz é uma doença infecciosa aguda provocada pela bactéria bacillus anthracis, manipulada em laboratório e altamente letal. (Colaborou Juliano Basile)