Título: Polêmica sobre déficit externo reacende
Autor: Lamucci, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 25/10/2007, Brasil, p. A5

A perspectiva de o Brasil voltar a ter déficit em conta corrente a partir do ano que vem reacende uma velha disputa entre economistas ortodoxos e desenvolvimentistas. Os primeiros consideram saudável um pequeno resultado negativo nas transações de bens e serviços do país com o resto do mundo, por implicar absorção de poupança externa. Os segundos tendem a ver com reservas a volta de déficits externos, por acreditar que essa poupança estrangeira acaba financiando o consumo, e não o investimento.

Com a expectativa de encolhimento do saldo comercial, o fim da era de superávits em conta corrente (a balança comercial, a de serviços e de rendas e as transferências unilaterais) parece de fato iminente. O ano de 2007 ainda deve mostrar um saldo positivo, o quinto consecutivo, resultado que deve dar lugar a um déficit pequeno no ano que vem. O economista-chefe do HSBC, Alexandre Bassoli, estima que o resultado em conta corrente em 2008 ficará negativo em US$ 4,5 bilhões, o equivalente a 0,3% do Produto Interno Bruto (PIB) - para este ano, ele projeta superávit de 0,4% do PIB.

Bassoli acredita que a conta corrente entrará no vermelho em 2008 principalmente por causa da expectativa de queda no saldo comercial, que, para ele, deve recuar de US$ 41 bilhões neste ano para US$ 34 bilhões no que vem. O câmbio valorizado e o forte crescimento da demanda interna explicam esse movimento. Para ele, porém, não é nada com que o país deva se preocupar. "O mais natural e saudável para uma economia em desenvolvimento é ter pequeno déficits em conta corrente, porque isso significa que o país está absorvendo poupança externa", afirma ele. Segundo Bassoli, ter superávit nessa conta implica exportar capitais para outros países, o que não seria recomendável para um país como o Brasil. "Um déficit de 0,5% a 1% do PIB é perfeitamente razoável. Como o Brasil tem taxa de poupança baixa, na casa de 18% do PIB, é interessante absorver recursos do resto do mundo, o que permite aumentar o investimento."

Para o consultor de análise econômica do Itaú, Joel Bogdanski, o país pode ter um déficit em conta corrente de até 1,5% do PIB sem que isso cause problemas. Tanto Bassoli quanto Bogdanski ressaltam que não advogam a volta de megarrombos nas contas externas, como os que vigoraram no fim dos anos 90. Em 1999, por exemplo, o déficit em transações correntes totalizou 4,3% do PIB. "A situação externa do Brasil hoje é bem diferente. A dívida externa pública caiu muito e as reservas internacionais são muito elevadas", diz Bogdanski, que espera equilíbrio em conta corrente em 2008 - o déficit viria apenas em 2009.

De 2003 para cá, o Brasil reduziu muito a vulnerabilidade externa, aproveitando-se principalmente da alta dos preços de exportação (em especial de commodities), o que levou a balança comercial a registrar superávits superiores a US$ 40 bilhões. "Um país em desenvolvimento deve ter pequenos déficits em conta corrente, porque isso significa atração de poupança externa para financiar o investimento", afirma, fazendo coro com Bassoli.

O ex-ministro Luiz Carlos Bresser Pereira rechaça os argumentos da dupla. Para ele, um possível déficit em conta corrente em 2008 é uma péssima notícia para o Brasil. Bresser diz que o país deve crescer com poupança doméstica, uma vez que a estratégia de tentar fazê-lo com a externa não dá certo, como evidenciaria o desempenho da economia brasileira na segunda metade dos anos 90.

Segundo Bresser, naquele momento o país teve elevados déficits em conta corrente, superiores a 4% do PIB, mas a taxa de investimento não cresceu, pelo contrário: em 1993, ela equivalia a 19,3% do PIB, número que estava em 18,9% do PIB em 1999. "A poupança externa financiou o consumo e não o investimento", diz Bresser. Para ele, os déficits em conta corrente podem ajudar a aumentar o investimento apenas se a economia estiver crescendo a taxas muito altas, o que, para ele, ainda não é o caso do Brasil. Taxas de 4% a 4,5% de expansão do PIB não são suficientes para que isso ocorra, avalia Bresser, criticando a excessiva valorização do câmbio registrada nos últimos anos.

O consultor do Instituto para Estudos do Desenvolvimento Industrial (Iedi), Júlio Gomes de Almeida, diz que a volta dos déficits em conta corrente não é uma catástrofe, mas deixa claro que a notícia não o agrada. "Não vejo problema no curto prazo, mas a memória da nossa vulnerabilidade externa não é positiva", diz ele, referindo-se aos pesados rombos que o país teve há alguns anos.

O professor Fernando Sarti, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), vê com menos reservas do que Bresser um pequeno déficit no ano que vem. Para ele, um rombo pequeno em conta corrente, desde que financiado por capitais de prazo mais longo, como investimentos estrangeiros diretos voltados à produção, não é preocupante - ainda mais num cenário em que o superávit comercial deve se manter acima de US$ 30 bilhões. "O padrão de financiamento desse déficit é importante, e por enquanto isso não me preocupa", diz o desenvolvimentista Sarti, ressaltando que o país tem hoje uma situação externa bem mais sólida, com reservas internacionais acima de US$ 160 bilhões.