Título: Combate ao tráfico será prioridade
Autor: Bernardes, Adriana ; Tokarski, Marcelo
Fonte: Correio Braziliense, 16/01/2011, Cidades, p. 32

Entrevista: Daniel Lorenz

Para alcançar o objetivo de reduzir criminalidade em 3% este ano, secretário de Segurança promete intensificar policiamento nas áreas de consumo de drogas e utilizar os serviços de inteligência para mapear onde é produzido o crack que chega ao DF

Delegado recém-aposentado da Polícia Federal (PF), Daniel Lorenz assumiu o comando da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal com o desafio de reduzir em 3% a criminalidade este ano. Para isso, será dada prioridade zero ao combate ao tráfico de drogas, especialmente, o crack. Operações como as que vêm ocorrendo recentemente em áreas centrais de Brasília e em cidades como Ceilândia serão rotineiras. A estratégia inclui um inédito rastreamento da droga para descobrir onde ela é produzida e como chega ao DF. Por meio do ¿DNA do crack¿, será possível saber se o entorpecente é produzido localmente ou é importado pronto de outros estados.

Em entrevista ao Correio na tarde da última sexta-feira, em seu gabinete, o secretário demonstrou preocupação com a sensação de insegurança dos brasilienses. Afirmou que desde 2008 as estatísticas de criminalidade estão em queda, mas reconheceu que isso não tem se refletido na percepção de bem-estar do cidadão. Anunciou que o policiamento a pé feito por duplas de policiais ¿ conhecidas como Cosme e Damião ¿ será retomado. Eles vão atuar próximos aos postos de segurança comunitárias e em áreas de maior fluxo de pessoas. Lorenz reforçou que quer uma corregedoria forte, atuando na apuração de desvio de condutas, mas também na orientação do profissional, evitando possíveis erros. Leia abaixo os principais pontos da entrevista.

O combate ao tráfico de drogas é uma das promessas de campanha do governador Agnelo Queiroz. Quais medidas serão adotadas pela Secretaria de Segurança Pública nessa área, especialmente para conter o crack? Usaremos a inteligência para saber de onde vem a droga consumida aqui. Geralmente, os laboratórios de crack ficam próximos às áreas de consumo. A Polícia Federal trabalha com o Projeto Perfil Químico (Projeto Pequi) e a nossa intenção é firmar um convênio com eles para descobrir o DNA do crack no Distrito Federal. Será que ele (o crack) é todo produzido aqui ou vem de São Paulo? Se os laboratórios estão aqui, o combate é de um jeito. Se o crack vier de fora, a ação é completamente diferente. Mas, enquanto isso, teremos operações diárias. Também vamos articular ações com outras secretarias para que os usuários recebam encaminhamentos. Poderemos deslocar policiais para essas áreas. A ideia é fazer o trabalho de polícia comunitária.

E o efetivo das corporações, será revisto? Nos fins de semana e feriados, é natural que um delegado responda por duas ou mais delegacias. Já na PM, estima-se que apenas metade da corporação atue nas ruas. A outra parte faz serviços burocráticos. Como o senhor vai lidar com isso? O DF tem um policial para cada 150 habitantes. O preconizado pela Organização das Nações Unidas (ONU) é um para cada 250 habitantes. Portanto, estamos com um número confortável. A escala de serviço é regida por lei. Temos a perspetiva de entrada de mais policiais nos próximos anos e isso vai mudar a percepção da sociedade. Em setembro, 1,3 mil soldados terminam o curso de formação e estarão prontos para atuar. Ao longo dos próximos quatro anos serão mais 4 mil. Já pedi a programação da Polícia Civil para saber da necessidade. Quanto aos policiais em serviços burocráticos, é um processo que leva tempo. Antes de colocá-los na rua, precisamos contratar servidores de natureza administrativa que lhes darão suporte logístico nas operações nas ruas. É uma questão de gestão.

O Cosme e Damião (dupla de policiais a pé) será retomado? Eles vão compor a estrutura dos postos de segurança e vão atuar em determinadas áreas. Mas não definimos onde ainda. Até porque, alguns destes postos de segurança estão instalados em locais inadequados . Precisamos descobrir se o convênio (com o governo federal) permite a transferência deles para outras áreas.

Os postos comunitários de segurança são alvos de críticas porque não atendem às necessidades da população. Qual destino o senhor pretende dar a eles? Hoje, são 110 postos instalados e, por força do convênio com o Ministério da Justiça , teremos que instalar outros 14. Estamos estudando a melhor alternativa para aproveitar as estruturas. Mas é certo que vamos dotá-los de estrutura para dar um atendimento rápido para a população, com o conceito de polícia comunitária. Vamos planejar a distribuição da dupla Cosme e Damião e do uso da motocicleta de forma que a população tenha o pronto atendimento. Imagina se conseguimos ampliar esses postos e agregar a eles os conselhos de segurança comunitária?

No ano passado, o então comandante da Polícia Militar baixou uma norma interna permitido o bico entre os PMs. A medida foi criticada e ele republicou com a restrição bicos como segurança particular. O senhor concorda com os bicos? Hoje, o serviço voluntário remunerado (dentro da própria Polícia Militar) neutraliza muito a possibilidade de bico. A legislação não permite o bico. Não sou eu quem estou dizendo que não pode, é a lei.

A criminalidade no Entorno acaba refletindo no Distrito Federal. Como o senhor pretende lidar com esse problema? Vamos chamar os secretários de Segurança de Goiás e de Minas Gerais para uma atuação integrada no combate ao crime. Nos últimos anos, a remuneração dos policiais goianos melhorou. Imagine os policiais do Entorno bem pagos e bem equipados com recursos do Pronasci? A tendência é só melhorar para o Distrito Federal. Soube que existe um Gabinete de Gestão Integrada da Área do Entorno. Chegou a informação de que esse gabinete nunca se reuniu para discutir ações. Retomá-lo será uma das minhas missões.

O senhor disse que, apesar de as estatísticas de criminalidade estarem em queda desde 2008, é grande a sensação de insegurança entre os moradores. Por quê? O que vou fazer aqui é um exercício de imaginação. Pode ser um problema de subnotificação. Aquela pessoa com uma renda um pouco maior é vítima de furto de um objeto de pequeno valor e decide não registrar, mas fica com a sensação de que não está seguro. Na periferia, ocorre o contrário. O cidadão é vítima do mesmo crime e não registra queixa porque não acredita que a polícia vá resolver seu problema. Além disso, temos que considerar que nos últimos anos 40 milhões de brasileiros saíram das classes D e E para a classe C. Essas pessoas, que antes não tinham nada, passaram a ter poder aquisitivo e também passaram a ser vítimas de crimes. Mas, repito, isso são possibilidades.

Como reverter essa sensação de insegurança? O senhor falou da subnotificação de crimes, mas, nas delegacias, muitas vezes a população é orientada a registrar crimes como furtos, por exemplo, pela internet. Mas nem todas as pessoas conseguem fazer isso. A prestação de serviço de segurança pública tem que atingir o verdadeiro interesse do cidadão. Se não for com a recuperação do bem perdido, no mínimo que a pessoa saia com o sentimento de que foi bem atendida. O serviço tem que atender as necessidades do cidadão, e não do agente de plantão. Se ele chega em uma unidade policial para registrar um crime, ele tem que ser atendido. Não pode sair de lá com a orientação para acessar a internet, procurar o link tal, clicar não sei onde. Isso não existe.

O governo promete integrar as polícias Civil e Militar. O senhor acha que conseguirá fazer com que as forças de segurança deixem as rixas de lado? Tem gente que confunde integração com unificação. É natural que as instituições defendam seus interesses. Mas a integração já existe. Se você for nas regiões com os índices de criminalidade mais baixos, pode ter a certeza de que o delegado de polícia e o comandante do batalhão da PM se conhecem, trocam informações e trabalham juntos. Agora, a integração deve começar na cúpula, chegando até a base. Minha função é promover a integração da base de dados e do fluxo da inteligência. Segurança pública se faz em três pilares: planejamento estratégico, ações integradas e gestões operacionais. É o homem certo, na hora certa.

O senhor tem repetido a intenção em fortalecer a corregedoria. Como evitar o corporativismo? Recentemente tivemos o caso de uma delegada e um agente de polícia acusados de plantar provas no caso do crime da 113 Sul, um crime ruidoso para a polícia.

Espera aí, até onde eu sei, já existe até um inquérito para apurar as condutas (dos policiais no caso). A nossa corregedoria também abriu procedimento. Agora, o rito dentro da corregedoria não é tão rápido quanto o de um inquérito policial. Até porque, na apuração interna, temos amplo espaço para defesa. Mas apurar supostos desvio de condutas não é a única missão de uma corregedoria. Ela tem que subsidiar o trabalho da polícia, cuidar para que o profissional seja informado sobre o rito legal dos procedimentos. E como teremos isso? Com capacitação, com valorização, com as promoções por bons serviços prestados. Mas isso é um processo. Não é para amanhã ou para daqui a 100 dias.