Título: Aberturas de capital chamam atenção
Autor: Regalado Antonio; eLucchetti , Aaron
Fonte: Valor Econômico, 25/09/2007, Finanças, p. C3
Até agora, a corrida para faturar com bolsas de valores - por meio de aberturas de capital e fusões - se concentrou no Hemisfério Norte. Agora é a vez da América Latina.
A enorme abertura de capital de US$ 3 bilhões da Bovespa Holding SA, marcada para amanhã, está atraindo a atenção global para o quentíssimo mercado de aberturas de capital no Brasil, além de oferecer uma janela para se observar aquela que pode ser a próxima região para negócios entre bolsas de valores.
Nos últimos anos, aberturas de capital de bolsas na Ásia, Europa e nos Estados Unidos criaram uma onda de modernização. Desajeitadas associações de corretores se transformaram em agressivas instituições com fins lucrativos e olhos para a expansão. Só neste ano, a aquisição da operadora européia de bolsas Euronext NV pela americana Nyse Group Inc., operadora da Bolsa de Nova York, criou uma companhia avaliada em mais de US$ 20 bilhões dona de bolsas em seis países.
A América Latina ficou para trás na tendência, mas várias ofertas públicas de ações estão despertando o interesse estratégico na região. Além da Bovespa, a Bolsa de Mercadorias & Futuros e a Bolsa Mexicana de Valores também estão planejando aberturas de capital. Um diretor da bolsa mexicana disse que a sua deve ocorrer dentro de quatro meses.
E na primeira incursão de uma grande bolsa dos EUA na América Latina, o CME Group Inc., dono da Bolsa de Chicago, uma grande praça de negociação de commodities, anunciou terça-feira à noite planos de comprar cerca de 10% da BM&F, em troca de uma fatia de 2% na operadora americana. A troca é avaliada em cerca de US$ 700 milhões.
A Bovespa, que tem 117 anos, escolheu um momento estratégico para a sua jogada. O Brasil desfruta de uma rara fase de estabilidade que contrasta com os agudos ciclos de alta e queda do passado. Já houve 54 aberturas de capital no país este ano e investidores estrangeiros atrás de retorno com mercados emergentes fizeram o Ibovespa subir 39% desde janeiro.
A demanda pela oferta pública da Bovespa foi tão alta que terça-feira os subscritores líderes Credit Suisse e Goldman Sachs aumentaram a faixa de preço em 30%, de R$ 15,50 a R$ 18,50 para R$ 20 a R$ 23 por ação.
O ajuste pode fazer dessa uma das maiores aberturas de capital já feitas por uma bolsa, e a maior do Brasil até hoje. O recorde anterior foi em julho, quando a companhia de cartões de crédito Redecard SA captou R$ 4,64 bilhões. No total, a emissão da Bovespa pode ficar no 5º lugar das maiores deste ano em todo o mundo, logo atrás do da firma americana de private equity Blackstone Group LP, segundo a Thomson Financial.
Executivos de outras bolsas acham o preço alto, mas a ascensão do mercado brasileiro põe muitos grandes investidores numa situação em que "não podem perder o trem", diz Bernardo Mariano, um sócio da consultoria financeira Equity Research Desk. Ano passado, a firma de Mariano ajudou um investidor de fundo de hedge a comprar cerca de 1,5% da Bovespa.
A oferta da Bovespa aumenta as chances de um negócio com outras bolsas, muito embora grandes operadoras americanas tenham ficado de fora até agora. Bob Greifield, diretor-presidente da Nasdaq, que este ano tentou e não conseguiu comprar a Bolsa de Londres, disse recentemente que sua prioridade continuam sendo oportunidades no Oriente Médio e Europa. Bolsas latino-americanas, disse ele, poderiam representar "uma segunda fase" da consolidação.
Como é comum no Brasil, o estatuto da Bovespa também estruturou uma maneira de evitar tentativas de aquisição. Mais de 150 bancos e corretores têm ações da bolsa, sendo que nenhum detém mais de 6%. Fusões e aquisições "não serão automáticas como quando a Nyse abriu o capital e fundos de hedge se tornaram seus maiores acionistas", diz Benn Steil, diretor de economia internacional do Conselho de Relações Exteriores em Nova York.
A América Latina também continua dividida cultural e politicamente, um fato que já inibiu tentativas de consolidação. Três anos atrás, a Bovespa e bolsas do México, Colômbia e Chile começaram a fazer acordos para permitir que negociassem ações umas das outras. Mas o plano enroscou em questões legais, segundo uma autoridade no México.
Analistas esperam que as bolsas tentem "comprar pequenas fatias para ficar em posição de bloquear futuras tentativas de aquisição" por parte de rivais, diz Steil. A Bolsas e Mercados Españoles, SA, que opera a Bolsa de Madri, já disse que pretende comprar 5% da bolsa do México. Uma pessoa a par das intenções da bolsa madrilenha diz que ela ainda não vê uma justificativa estratégica para ser mais agressiva em aquisições. Isso poderia dar à Bovespa margem para tentar dominar a região.
Observadores dão méritos à Bovespa por aumentar o interesse por ações brasileiras. Ela decorou peruas para promover o investimento em bolsa nas escolas e empresas. E, em 2002, lançou o Novo Mercado, onde companhias podem listar ações sob padrões de governança mais rigorosos. Esse é um dos fatores por que investidores estrangeiros já compraram 74% das ações de novas aberturas de capital, que incluíram empresas de imóveis, bancos e de álcool combustível.
De fato, o Novo Mercado tem gerado uma demanda por "transparência" corporativa que está ajudando a transformar o panorama empresarial no país e que deve sustentar a tendência de abrir o capital. Para serem negociadas em bolsa, empresas familiares de capital fechado têm contratado novos diretores e incorporado investidores para se tornar mais eficientes. Atualmente, 23 empresas estão esperando aprovação para abrir o capital.
Este ano, já se captaram R$ 37 bilhões (US$ 19,7 bilhões) em aberturas de capital na bolsa, valor que só fica atrás dos de Londres, Nova York e Hong Kong, segundo a Thomson Financial.
Isso tem aumentado a influência da Bovespa na região. O México só teve duas ofertas públicas iniciais este ano. E alguns observadores acham que a bolsa brasileira pode despontar como uma concorrente de baixo custo para firmas sul-americanas que querem ser listadas em mais de uma bolsa e poderiam optar por Nova York ou Londres. Em julho, o banco argentino Patagonia emitiu ações no Brasil, e outras empresas latino-americanas têm sondado o mercado.
Um grande atrativo da bolsa brasileira é o crescente volume de negócios. A atividade cresceu bastante desde 2002, quando o volume diário médio de negócios na Bovespa era de apenas R$ 558 milhões. Hoje ele está na média de R$ 4,3 bilhões por dia, uma alta de 88% em relação ao ano passado. O lucro da bolsa também saltou para R$ 243,6 milhões no semestre passado.
Para padrões internacionais, contudo, o mercado brasileiro continua imaturo em vários aspectos. Mais de metade das negociações envolvem só dez empresas, como a Petrobras e a Companhia Vale do Rio Doce. Essas blue chips atraem investidores que querem retornos de mercados emergentes - que tendem a ser mais altos de os de mercados estabelecidos -, mas temem pisar em terreno desconhecido.
Agora as previsões são de que a ação da Bovespa vai logo entrar para o grupo das favoritas do Brasil. "Uma bolsa é uma maneira maravilhosa de investir num país sem os riscos de uma companhia individual", diz Thomas Caldwell, o administrador de recursos de Toronto cuja firma, a Caldwell Financial, tem investimentos em 29 operadoras de bolsa.