Título: Emergentes buscam saídas para um novo dilema: sobra dólar
Autor: Osborn, Andrew ; Slatern ,Joanna
Fonte: Valor Econômico, 25/10/2007, Especial, p. A16

Em agosto de 1998, Konstantin Korischenko, na época um funcionário graduado do banco central russo, recebeu um telefonema alarmante quando retornava de férias no Mar Negro: o rublo estava à beira do colapso, e o governo não tinha como pagar suas dívidas. Korischenko correu ao Ministério da Fazenda, mas ele e os colegas não conseguiram evitar uma grande moratória dias depois.

Agora Korischenko enfrenta o problema oposto: a riqueza que entra na Rússia está empurrando o rublo para cima e inchando os cofres do governo - o que prejudica as exportações, infla as reservas internacionais e torna mais difícil conter a inflação. "Na Rússia, temos um ditado", diz Korischenko, que é agora vice-presidente do banco. "Ter coisas boas demais também não é tão bom."

Uma significativa reversão das coisas está em curso no mundo em desenvolvimento, da Rússia à Tailândia, da Índia ao Brasil. Dez anos depois de enfrentaram crises cambiais, alguns desses países agora estão se debatendo com divisas que se fortalecem rápido demais.

Antes, autoridades monetárias em muitos desses países só assistiam às autoridades americanas viajar pelo mundo oferecendo conselho sobre como navegar por turbulências financeiras com um dólar que se fortalecia. Agora, entre as conseqüências do longo declínio da moeda americana estão as dificuldades de investimento superaquecido e montanhas de reservas.

A onda de investimento nos mercados emergentes vinha em crescimento desde 2002. Agora é um tsunami. No primeiro semestre deste ano, os fluxos financeiros nesses países já superaram o total de 2006 inteiro, informa o Fundo Monetário Internacional.

"É um novo mundo", diz Jim O'Neill, diretor de análise econômica global da Goldman Sachs. "Quando foi a última vez que um grande grupo de países em desenvolvimento como esse enfrentou pressão de alta em suas moedas? Acho que nunca na história das taxas de câmbio flutuantes."

A entrada de investimentos é um problema melhor do que as crises do passado, dizem as autoridades de bancos centrais, mas apresenta seus próprios e complexos desafios. Muitas autoridades monetárias - que vivenciaram as crises dos anos 90 - temem a invasão do que chamam de "hot money" em suas economias, com medo de que ele possa fugir às pressas mais uma vez. Além disso, o fortalecimento de suas moedas torna as exportações mais caras - um sério problema em economias orientadas para o comércio exterior.

A típica resposta dos bancos centrais tem sido tentar impedir que suas divisas subam muito rapidamente. Para fazer isso, eles compram dólares. Esse é o principal motivo pelo qual os mercados emergentes mais que dobraram suas reservas desde 2004, para previstos US$ 4,1 trilhões este ano, segundo o FMI.

Essa acumulação causa problemas. Os países emergentes têm enormes investimentos em dólar, de que podem não precisar. Essas aplicações, em papéis do Tesouro americano, por exemplo, estão perdendo valor devido ao declínio do dólar. Ao mesmo tempo, para reduzir a pressão inflacionária, alguns países em desenvolvimento estão emitindo títulos nos mercados locais, para tirar dinheiro de circulação, e pagando juros mais altos. "Certamente parece que eles estão desperdiçando muito dinheiro", especialmente em países pobres com necessidades de infra-estrutura, diz Kenneth Rogoff, professor de economia da Universidade Harvard.

Desacelerar a valorização de uma moeda também atrapalha a capacidade de um país de combater a inflação, em parte porque os preços de importados não caem tanto quanto poderiam. Isso é importante porque a inflação dá sinais de recrudescer numa série de países em desenvolvimento. Na Rússia, por exemplo, os aumentos de preço podem superar 9% este ano, o que rompe uma tendência de declínio na inflação que já durava oito anos.

"Não há soluções fáceis", diz Raghuran Rajan, professor de finanças da Universidade de Chicago e ex-funcionário do FMI. "Em geral, as pessoas estão preocupadas em perder sua vantagem competitiva (...), especialmente se a demanda dos EUA perder força e for preciso brigar um com o outro pelas migalhas."

A situação é complicada pelo fato de a China manter um controle rígido sobre o yuan, por meio de restrições aos fluxos de capital e enormes compras de dólar por parte do governo. Os países que competem com as exportações da China relutam em permitir que suas moedas se fortaleçam muito rapidamente.

Numa tentativa de reduzir a pressão, alguns países, como Tailândia e Colômbia, impuseram restrições ao investimento estrangeiro. A maioria dos outros tenta administrar a pressão em suas moedas com a aquisição de dólares, que são então estacionados em seus cofres, ainda que a moeda americana perca valor. Alguns, como a Índia e a Coréia do Sul, estão tentando fazer com que o dinheiro flua no sentido oposto, encorajando seus habitantes a comprar no exterior.

Eles também repensam como administrar as reservas. No ano que vem, por exemplo, a Rússia pegará uma pequena porção de suas reservas e procurará investi-la de maneira mais agressiva, indo além de títulos emitidos por governos e para ações. A China já adotou uma medida similar. Este mês, o Brasil informou que está montando um novo fundo para também investir de maneira diferente parte de sua reserva de US$ 163 bilhões.

Desde o início de 2004, o real se valorizou 37% em relação ao dólar, o won coreano subiu 23%, o baht tailandês ganhou 21%, o rublo russo fortaleceu-se 15% e a rupia indiana, 13%. Essas valorizações seriam provavelmente maiores se os governos não estivessem intervindo nos mercados de câmbio para desacelerar a alta. O yuan chinês subiu 9% diante do dólar no mesmo período.

A alta das divisas também traz benefícios aos países. Torna mais fácil para os governos e empresas tomar emprestado em sua própria moeda, em vez de em dólares. Também torna as importações mais baratas, um impulso a economias que procuram se modernizar. No Brasil, o real mais forte abriu a janela para que indústrias e outros invistam em novas máquinas e equipamentos do exterior. Os hospitais saíram às compras. A demanda reprimida impulsionou as importações de equipamentos de tomografia computadorizada e outros em cerca de 20% por ano.

Ainda assim, esse aumento do poder de compra não é suficiente para amenizar as preocupações maiores sobre as enormes entradas de capital e o fortalecimento da moeda. Alguns países estão começando a reagir de maneira mais firme para tentar administrar o problema.

Na Índia, a alta da rupia reduziu as margens de lucro dos exportadores de software do país, o que levou alguns executivos do setor a reclamar que a mudança cambial está acontecendo rápido demais. "É a maneira súbita com que [a taxa de câmbio] mudou que preocupa", disse S. Ramadorai, diretor-presidente da Tata Consultancy Services, a maior empresa de software da Índia, ao "Wall Street Journal" em julho. Ramadorai disse que por isso a empresa estava se questionando se deveria fazer uma parcela tão grande de seu trabalho na Índia.

O governo indiano passou a oferecer isenções fiscais em julho para ajudar as empresas locais prejudicadas pela moeda mais forte. O Brasil e a Tailândia anunciaram medidas parecidas recentemente. No início de setembro, Y.V. Reddy, presidente do banco central indiano, falou a uma platéia em Estocolmo sobre o "dilema" para economias emergentes de "lidar com fluxos cada vez maiores de capitais inerentemente voláteis".

Naquele mês, o banco central tentou uma estratégia diferente. Eliminou algumas das barreiras ao investimento no exterior, numa tentativa de fazer com que dinheiro saísse do país para aliviar a pressão de alta na rupia. Não funcionou. O dinheiro que entrava no país continuou a aumentar, ofuscando qualquer movimento no sentido contrário. Em apenas duas semanas do fim de setembro, as reservas internacionais da Índia aumentaram US$ 16 bilhões.

Em 16 de outubro, autoridades indianas foram um passo além. A autoridade que regulamenta o mercado acionário anunciou uma proposta para restringir um popular método usado por estrangeiros para investir nas bolsas do país. P. Chidambaram, o ministro da Fazenda indiano, disse numa conferência para investidores em Nova York, em 18 de outubro, que as medidas para conter o investimento seriam necessárias "até que tenhamos o controle da situação". (Colaborou Antonio Regalado, de São Paulo)