Título: Troster , Roberto Luis
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 25/10/2007, Opinião, p. A14

Nunca, em toda a história, o Brasil viveu um cenário tão oportuno, com termos de troca tão favoráveis, para fazer acontecer, como o atual. Os preços de commodities estão em alta, o de produtos industriais em queda, há liquidez abundante, a aversão ao risco está baixa e o comércio internacional está crescendo a taxas elevadas. É uma situação excepcional.

Esse quadro influenciou de maneira contundente a economia brasileira: com os mega-superávits comerciais, em função das cotações elevadas de nossas exportações, o dólar despencou, derrubando a inflação e permitindo a redução dos juros. A combinação do impulso externo com o custo do dinheiro mais barato, num ambiente de estabilidade, acelerou o crescimento. A globalização mostrou seu lado bom com o primeiro "i", de impulso externo. Lembrando que o desenvolvimento de um país é a soma dos quatro "is": impulso externo, instituições, investimento e inclusão.

O país já teve outros impulsos externos, como os dados pela cana de açúcar, o café, o algodão, o ouro e a borracha. Cada um deixou seu legado. O caso da borracha é emblemático. Num primeiro momento houve a bonança: empregos, exportações (a borracha chegou a responder por 25% da pauta de exportações), recursos para o governo (o Acre era o 3º maior contribuinte da União) e um estímulo beneficiando a região amazônica nas atividades de apoio na produção e no comércio. O impulso foi desperdiçado. Num segundo instante, sementes de seringueira da Amazônia foram levadas e plantadas na Malásia. Lá, a produção do látex foi organizada de forma mais eficiente. Depois de algum tempo, a borracha asiática chegava aos mercados internacionais com preços mais baixos que a brasileira. Não tardou para que uma crise assolasse a Região Norte do Brasil. O fato é que o legado da borracha foi acanhado: a urbanização de Belém e Manaus e o desenvolvimento da rede de transportes fluviais. Um resultado pífio.

O atual impulso externo deve durar algum tempo mais. Entretanto, os números mostram que seu impacto está arrefecendo e sendo mal aproveitado. As projeções coletadas pelo Banco Central apontam para um crescimento de 4,75% em 2007, porém declinantes nos anos seguintes - a estimativa para 2011 é de 4,04%. Uma análise da composição da balança mostra que a exportação de produtos básicos (com baixo valor agregado) está crescendo mais rápido que a de produtos manufaturados. Aponta também que a importação de bens de consumo cresce a taxas mais altas que a de bens de capital. É uma aposta arriscada confiar em termos de troca tão favoráveis como estratégia de crescimento.

-------------------------------------------------------------------------------- Falta plano de futuro para transformar o impulso externo em interno e autônomo, com outras fontes de crescimento --------------------------------------------------------------------------------

O segundo "i", instituições, é um propulsor importante do crescimento - as reformas no Leste Europeu e seu crescimento posterior ilustram o ponto. Atualmente, o país está praticamente parado em avanços institucionais. Nos rankings de indicadores de competitividade empresarial, o Brasil está perdendo posições; no último levantamento do Banco Mundial (Doing Business) caiu para o posto 122. As mudanças institucionais não acompanham as transformações da economia. Produzir no Brasil consome muitos recursos em excessos de formalismo, regulamentações banais, restrições triviais e normas burocráticas antiquadas. O reflexo é que intenções de investimento no país, apesar de seu potencial, diminuem. Em 2006, por exemplo, o investimento direto de brasileiros no exterior foi de US$ 28 bilhões, enquanto o de estrangeiros no Brasil foi de US$ 19 bilhões. Enquanto em 2005 o país era o 14º receptor de investimentos no mundo, em 2006 ficou em 19º lugar. Um desperdício.

O investimento, o terceiro "i", está num gargalo, e com investimento baixo não pode haver crescimento alto. Há uma incompatibilidade entre a estrutura de gastos públicos, o aumento das despesas de custeio, a capacidade de arrecadação e endividamento do governo e um aumento expressivo no volume de investimentos públicos; a solução das PPPs (parcerias público-privadas) está engatinhando; e o setor privado é limitado pela carga tributária e o quadro institucional obsoleto. A conseqüência é que a taxa de investimento do Brasil está baixa, pouco acima da metade da chinesa, o que explica parte do diferencial de crescimento dos dois países.

A inclusão social é o quarto "i". São necessárias ações para aumentar o capital humano, melhorar sua produtividade e, com isso, aproveitar oportunidades, superar desafios, difundir o crescimento e produzir efeitos positivos na questão distributiva. O atual governo mostrou um comportamento ambíguo neste item. A tributação ilustra o ponto. Isentou de CPMF os reinvestimentos de aplicações financeiras (leia-se os mais ricos), mas não os refinanciamentos de crédito; corrigiu a tabela do IR (que beneficia os que ganham mais) e aumentou a alíquota do PIS-Cofins, que incide mais nas operações de crédito de menor valor. A inclusão que gera desenvolvimento não é um assistencialismo que cria dependência, e sim uma inserção produtiva das camadas mais baixas em que a educação e condições de empreender são os atores-chave. Não há mágica que faça um país crescer sustentadamente sem pessoas capacitadas para produzir e usufruir suas riquezas.

O epítome é que está se vivendo um ciclo de crescimento, redução da pobreza e aumento do emprego como conseqüência da alta das commodities - os preços do minério de ferro e da soja nunca estiveram tão altos. Entretanto, está se criando uma nova dependência, a de preços de exportações elevados. É arriscado. Falta um plano de futuro para transformar o impulso externo em um impulso interno autônomo, com outras fontes de crescimento. Vive-se o aprofundamento de um modelo ultrapassado.

A boa noticia é que o impulso externo, mesmo com um ímpeto mais fraco, deve continuar por alguns anos, dando tempo para fazer acontecer. Atualmente, não existe um risco recessivo com a capacidade da economia global em continuar gerando riquezas, por mais alguns anos. Contudo, para não voltar a mais uma oportunidade perdida, temos que atuar. As condições favoráveis, por mais excepcionais que sejam, não garantem o êxito. É o que ensina a história.

Roberto Luis Troster é economista da Integral Trust. E-mail: robertotroster@uol.com.br