Título: Acesso a medicamentos divide ricos e pobres na OMS
Autor: Moreira, Assis
Fonte: Valor Econômico, 06/11/2007, Internacional, p. A13

Duas propostas para alterar as regras atuais sobre patentes provocam uma nova batalha diplomática na Organização Mundial de Saúde (OMS) esta semana. Uma propõe assegurar o lançamento de novos medicamentos, e outra quer que os existentes fiquem disponíveis a preços baixos nos países em desenvolvimento.

Uma coalizão de países em desenvolvimento, entre eles o Brasil, e organizações não governamentais defende um "pool de patentes" para combinar direitos de propriedade intelectual sobre remédios existentes, e um "prize fund", um fundo para premiar e estimular a descoberta de novos medicamentos para doenças ditas negligenciadas.

As duas iniciativas têm forte oposição de alguns países ricos e da indústria farmacêutica. E elas também causaram um racha entre os dois maiores países da América Latina. O México se distanciou da posição do Brasil e aliou-se aos EUA, alegando que tem compromissos no acordo comercial com Washington.

Pelas propostas, a indústria farmacêutica seria paga pela pesquisa e desenvolvimento, ao mesmo tempo em que autorizariam companhias de genéricos produzirem os remédios o mais barato e mais rápido, imediatamente após seu lançamento.

O objetivo é contrapor-se à abordagem convencional no desenvolvimento de medicamentos, que atualmente garante direitos exclusivos de venda por 20 anos para quem desenvolveu a droga e não estimula a pesquisa para combater doenças que afetam os países mais pobres.

A OMS colocou na mesa uma proposta alternativa para distribuição mais barata de remédios por meio de apoio a companhias de genéricos, a quebra de patentes através de flexibilidade nas regras da Organização Mundial de Comércio (OMC) e preços transparentes e baixos.

Em julho deste ano, o Brasil reuniu os países latino-americanos no Rio, e foi elaborado um outro texto, alternativo ao que a OMS discute, que incluiu os dois pontos especialmente questionados pela indústria.

Mas Santiago Alcazar, assessor especial do ministro brasileiro da Saúde, insistiu que o Brasil não pede alteração no sistema internacional de patentes, e sim que as flexibilidades já previstas em acordos internacionais possam de fato ser implementadas.

Já Washington favorece um texto explicitando direitos mais fortes de propriedade intelectual. A delegação americana indicou que o Brasil e outros latinos podem tornar "mais difícil e adiar significativamente" um plano de ação na OMS se quiserem usar o "texto do Rio" como base de negociação. Alcazar retrucou que teve conversa com os americanos e vê possibilidade de compromisso em vários pontos.

Por sua vez, Organizações não governamentais (ONGs) acusam o USTR, a representação comercial dos EUA, de intimidar países latino-americanos para que retirem o apoio ao "texto do Rio". Os EUA e a União Européia (UE) questionam uma expansão do papel da OMS para patentes e saúde.

Uma das flexibilidades nas regras da Organização Mundial do Comércio (OMC) permite aos países pobres quebrar patentes de remédios que não podem produzir, para combater crises de saúde pública. Mas os problemas são enormes. Primeiro, a pressão para não usarem o instrumento. E, segundo, a própria capacitação técnica para aplicarem a regra. "O Brasil tem posição construtiva", insistiu Alcazar.

ONGs consideram que a negociação tem potencial para alterar a maneira como a pesquisa médica é conduzida e assegurar que produtos necessários com urgência sejam desenvolvidos e acessíveis. Notam que somente 1% de 1.556 remédios desenvolvidos nos últimos 25 anos visou doenças negligenciadas e tuberculose, embora essas doenças representem 10% do total.

Para as ONGs, a negociação é a primeira chance para países começaram a construir um sistema para inovação médica e acesso a medicina que priorize as doenças negligenciadas pela indústria farmacêutica. A ONG Médicos Sem Fronteiras estima em US$ 600 bilhões o mercado farmacêutico mundial e nota que a falta de recursos para pesquisa e investimentos em tuberculose é calculado em US$ 950 milhões por ano.