Título: Chuva faz disparar preços dos alimentos
Autor: sacramento, Mariana ; Martins, Victor
Fonte: Correio Braziliense, 15/01/2011, Economia, p. 16

Excesso de água está estragando a lavoura e reduzindo a oferta de frutas, legumes e verduras. Valores já subiram mais de 150%. Analistas preveem inflação de 1% no mês As tempestades que têm derrubado casas e tirado vidas no Rio de Janeiro e em São Paulo também destruíram lavouras de hortaliças, legumes e verduras e, além de toda a tragédia, deixarão a mesa do consumidor mais cara. Tamanho aguaceiro pode ter impacto ainda sobre as safras de grãos, elevando os preços de feijão, arroz e milho ¿ o que, se confirmado, vai gerar um efeito em cascata por toda a cesta de alimentos do brasileiro, inclusive sobre a carne. Na avaliação de especialistas, o Brasil inteiro sofre com o excesso de chuvas deste início de ano, problema que já entrou no calculo das projeções de inflação para janeiro. Na média, a expectativa para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) subiu de 0,7% para cerca de 1%. Há produtos com alta de mais de 150%.

Para Thiago Curado, analista da consultoria Tendências, a situação é mais dramática no Rio e em São Paulo, mas observando o país como um todo, as chuvas e a escalada de preços dos alimentos se generalizou. ¿O aguaceiro afeta, principalmente, os produtos não processados. E, nas nossas pesquisas, estamos captando movimentos rápidos de alta¿, afirmou. Assim como Curado, as expectativas da maioria do mercado para os preços dos alimentos foram frustradas. Depois de um salto brutal no último trimestre de 2010, esperava-se que, em janeiro, houvesse um arrefecimento no valor da comida. Mas as chuvas arrastaram todas as projeções otimistas para o ralo.

A dona de casa Gilda Coelho tem ido todos os dias ao mercado atrás de promoções ¿Estamos esperando uma pressão relevante nos preços dos alimentos que sofrem mais com as chuvas. Apesar de serem produtos de baixo valor agregado, às vezes sobem mais de 30% e produzem impacto forte na inflação¿, explicou Flávio Serrano, economista do Espírito Santo Investment Bank. Para o ministro da Fazenda, Guido Mantega, não é somente a chuva que faz estrago no bolso dos consumidores. Também está encarecendo os alimentos a especulação mundial com as cotações das commodities (mercadorias com cotação internacional).

¿Isso está atingindo toda a América Latina¿, disse. Na avaliação da aposentada Gilda Coelho, 55 anos, os preços de verduras e hortaliças vêm subido constantemente desde o fim de dezembro. ¿O aumento começou antes do Natal e, de lá para cá, não parou mais¿, garantiu. Para não deixar faltar salada na mesa da família, a dona de casa tem ido mais de uma vez por semana ao supermercado. ¿Assim, evito que os produtos estraguem na cozinha, tenho tentado fazer o cálculo para comprar a quantidade exata¿, explicou.

Escassez

Na lista de alimentos escassos nos mercados estão a alface, o tomate, o jiló e a abobrinha, cujo preço registrou alta de 151% nos últimos dias, saltando de R$ 1,19 para R$ 2,99 o quilo, segundo dados da Associação de Supermercados de Brasília (Asbra). O tomate, que há alguns dias, era vendido a R$ 1,99 o quilo, está saindo por R$ 2,99 ( 50%), mas em alguns estabelecimentos ultrapassa a marca de R$ 4. O pé de alface, que custava R$ 0,79, subiu para R$ 0,99, um acréscimo de 25%. Produtor há 30 anos, Ely de Oliveira Castro, 60 anos, calculou um prejuízo de R$ 10 mil em função das chuvas: perdeu 70% da última safra de abobrinha. A maior parte dos 4 mil pés do fruto ficou coberta pela água. ¿O jeito será dar para os porcos. Eu nunca passei uma por situação dessas. Este ano foi arrasador¿, lamentou. O produtor também cultiva tomate em sua fazenda, em Planaltina. ¿Perdi 40% da safra, o que sobrou não está com qualidade muito boa. A gente pulveriza, pulveriza e a chuva leva o remédio, que é muito caro¿, reclamou.

Para tentar reverter as perdas, Castro remarcou os preços. ¿A caixa de 20 quilos da abobrinha, que eu vendia por R$15, vendo agora por R$ 40. Já o caixote de tomate saltou de R$ 20 para R$ 50. Ainda assim não dá para cobrir o prejuízo. O gasto com fungicida, mudas, sementes e dos alimentos perdidos não se recupera¿, afirmou.

A pedagoga Vânia Lúcia Lechuga Peralta, 47 anos, foi ao mercado ontem e teve uma surpresa com os preços abusivos das frutas e hortaliças. Ela costuma consumir os itens diariamente, e, para isso, gasta cerca de R$ 200 por mês. ¿Está tudo muito caro. Eu faço compras de 15 em 15 dias, e a conta só fica maior¿, lamentou. Segundo Vânia, o valor de alguns produtos aumentou mais de 50%, como maçãs e bananas.

Transporte

Apesar de todo estrago já causado, a expectativa dos analistas não é das melhores. Pelo menos no primeiro trimestre do ano, os preços dos alimentos devem continuar a subir. A chuva, além de interferir na agricultura, dificulta, indiretamente, o transporte de alimentos de uma cidade para outra. ¿Como as estradas ficam esburacadas, um produto que demora normalmente cinco ou quatros dias para chegar, passa a demorar oito. Dependendo do alimento, estraga ainda no caminho¿, relatou o diretor executivo Sindicato do Comércio Atacadista do DF, Anderson Nunes.

Brasília é uma das cidades que têm enfrentado problemas de abastecimento em função da dificuldade de transporte. Cerca de 90% da batata que chega à mesa candanga vêm de fora do quadrilátero. São Paulo e Minas Gerais são os maiores fornecedores. Algumas dessas regiões produtoras, com dificuldade de escoar a colheita, estão queimando as batatas. No DF, já em relação às hortaliças, a produção interna é suficiente para atender todo o consumo.

Qualidade

Com o período chuvoso, sobe o preço e cai a qualidade. O clima quente e a umidade ¿ características dessa época do ano ¿ favorecem o surgimento de doenças em alguns alimentos. Proteger o tomate, que, naturalmente, é mais suscetível a pragas, por exemplo, requer um gasto maior com fungicidas, uma vez que o repelente precisa ser reaplicado a cada chuva. ¿Com isso, o consumidor começa a mudar o seu prato. Quando o produto está com qualidade baixa, a demanda cai. Não absorvemos toda a variação do mercado, diminuímos a nossa margem de lucro para não assustar o cliente, mas a situação só vai voltar ao normal, ou seja, o preço só cairá e a qualidade melhorar á quando a chuva der uma trégua¿, ponderou o diretor comercial da Associação de Supermercados de Brasília (Asbra), Ângelo Oliveira. Gerente de Avaliação e Acompanhamento de safra da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Carlos Bestetti explica que nem todas as culturas se perdem com as chuvas. ¿Para algumas, as chuvas são benéficas.

É o caso do milho. Em contrapartida, atrapalha o desenvolvimento da chicória, da couve, do repolho e, principalmente, da alface. Quando o excesso de água não interfere na colheita, resulta na perda da qualidade¿, explicou. As raízes como cenoura, beterraba e batata também sofrem com as precipitações e acabam apodrecendo com a alta umidade.

Nada mais desagradável para o consumidor do que perder tempo em frente a uma gôndola de verduras na seleção das melhores para levar para casa. A dona de casa Gilda Coelho vai pela praticidade. ¿Prefiro pagar um pouco mais por um similar, do que ficar horas escolhendo¿, afirmou.

Terceira idade paga a conta

» Os brasileiros de idade mais avançada sentiram a corrosão inflacionária mais intensamente no ano passado. O Índice de Preços ao Consumidor Terceira Idade (IPC-3i) fechou 2010 com alta de 6,27%. Alimentos, serviços e cuidados com a saúde foram os itens que mais pesaram no custo de vida dessas pessoas. Os planos de saúde, com grande peso no orçamento, registraram alta de 5,88%. O economista Walter Bastos, 73 anos, se queixa da inflação. Ele notou aumento expressivo, principalmente, nos preços das frutas. ¿Eu sempre controlo minhas compras.

Ultimamente, tenho notado que esses itens já consomem 12% da minha renda¿, calculou. Vilões não faltam para a terceira idade. Em 2010, o leite tipo longa vida encareceu 23,95%; a tarifa de ônibus subiu 11,51% e condomínio, 7,09%. No último trimestre do, o que mais pesou ¿ e a tendência é de que ao menos até março continue a corroer o bolso do consumidor mais intensamente ¿ foram as carnes. O filé mignon registrou alta de 48,30%. A alcatra, 20,19%.