Título: A incerteza vai para a China
Autor: DeLong, Por J. Bradford
Fonte: Valor Econômico, 06/11/2007, Opiniao, p. A15

Agora que o dólar caiu 43% de seu pico frente ao euro, o processo de reequilíbrio financeiro mundial está seriamente em andamento. Os déficits comercial e na conta corrente dos EUA começaram a encolher em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) americano e mundial. Os superávits em conta corrente asiáticos também estão prestes a começar a diminuir, especialmente se o crescimento ficar substancialmente mais lento nos EUA, na esteira do fim de seu boom no mercado habitacional.

Neste momento, a Europa é a mais prejudicada, pois o valor do euro foi o que mais, e mais rapidamente, subiu frente ao dólar. Mas a América Latina e a Ásia também começarão a ver-se em dificuldades à medida que o papel dos EUA, que durou uma década, de importador de última instância na economia mundial, vai chegando ao fim.

Enquanto os desequilíbrios no comércio mundial e dos fluxos de capital se dissiparem gradual e suavemente, a magnitude de uma perturbação econômica mundial deverá ser relativamente pequena. Evidentemente, não parecerá pequena aos olhos dos exportadores, e de seus trabalhadores, que perderão seus mercados americanos, ou da perspectiva dos americanos, que deixarão de ter acesso ao capital barato aportado por estrangeiros. Mas os próximos anos certamente trarão um problema político-econômico mais ameaçador e mais grave do que o fim dos desequilíbrios mundiais.

Sim, os EUA poderão entrar numa pequena recessão - as chances de isso acontecer são de aproximadamente 50%. Sim, uma recessão americana poderia contaminar o restante do mundo e provocar uma recessão mundial. E, sim, é improvável que o crescimento econômico mundial nos próximos cinco anos seja tão rápido quanto foi o crescimento nos últimos cinco anos. Não há, porém, uma enorme probabilidade de recessão segundo a definição formal de recessão, e ela provavelmente será pequena. As perspectivas de uma verdadeira aterrissagem brusca - de que os investidores mundiais acordem certa manhã e repentinamente se dêem conta de que o déficit americano em conta corrente não pode ser sustentado, descartem-se de seus dólares e produzam um crash na economia mundial - está se tornando menos provável a cada dia que passa.

Em dois cenários plausíveis - ambos referentes à China - o fim dos desequilíbrios mundiais poderão causar uma depressão regional, se não mundial. No primeiro cenário, a China continuaria a tentar manter pleno emprego em Xangai, Guangzhou e em outras regiões - não mediante estímulo à demanda interna, mas tentando incrementar ainda mais as exportações mediante manutenção da estabilidade do yuan frente ao dólar e de uma queda de seu valor contra o euro.

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O esforço para manter o câmbio dólar-yuan em nível aprovado pelo Conselho Estatal da China já resultou em enorme crescimento de liqüidez financeira na economia chinesa. As conseqüências disso são agora evidentes na inflação nos mercados imobiliário e acionário, mas ainda não se traduziram em desenfreada e incontrolável inflação nos preços ao consumidor - pelo menos por ora. Mas se a China não acelerar a valorização do yuan, o mundo poderá ver um grande surto de inflação nos preços ao consumidor chinês nos próximos dois ou três anos. Se assim for, as conseqüências serão uma escolha entre a destrutiva inflação descontrolada conhecida pela América Latina pós-Segunda Guerra Mundial e estagflação. As conseqüências desfavoráveis desse cenário, porém, seriam em larga medida confinadas à Ásia.

O segundo cenário é mais perigoso para o mundo inteiro. Neste caso, a China também continuaria a tentar manter pleno emprego conservando o yuan desvalorizado. Mas neste cenário, o governo chinês conseguiria conter a inflação interna, de modo que o déficit comercial americano com a Ásia cessaria de diminuir e começaria novamente a crescer, assim como o europeu, ao passo que a América Latina, devido à alta nos preços relativos de suas exportações, perderia o acesso a seus mercados importadores. Após cinco ou seis anos, a economia mundial estaria diante do perigo que correu dois anos atrás, embora o medo, dessa vez, não seria de um súbito colapso no valor do dólar, mas de um colapso repentino nos valores do dólar e do euro frente às moedas asiáticas.

Quatro anos atrás, eu teria dito que a principal fonte de desordem econômica internacional era "made in USA". Isso cessou, devido à desvalorização do dólar e ao declínio da força política de facções populistas de direita nos EUA que buscam redistribuição de renda cada vez maior para os ricos alimentada por cortes de impostos cada vez maiores e déficits de longo prazo sempre crescentes.

Hoje, a principal fonte de desordem econômica internacional é "made in China", devido às facções, no governo chinês, que esperam evitar uma valorização mais rápida do yuan. Não tenho condições de julgar a força dessas facções, ou se sabem que uma redução do déficit americano em conta corrente e uma desvalorização do dólar poderá atenuar a urgência de um ajuste no restante do mundo, porém não na China.

John Connally, secretário do Tesouro de Richard Nixon, disse certa vez a um grupo de líderes europeus que, embora o dólar fosse uma moeda americana, seu desalinhamento era um problema europeu. Atualmente, o desalinhamento do dólar - e também do euro - frente ao yuan e outras moedas asiáticas está tornando-se cada vez mais um problema asiático.

J. Bradford DeLong é professor de economia na Universidade da Califórnia em Berkeley e ex-vice-secretário do Tesouro dos EUA.