Título: Sob pressão, Odebrecht abre mão de cláusula de exclusividade no Madeira
Autor: Rittner, Daniel
Fonte: Valor Econômico, 29/10/2007, Brasil, p. A2

Pressionada pelo governo e criticada pelos concorrentes, a Odebrecht abriu mão dos acordos de exclusividade com fornecedores de turbinas e geradores para Santo Antônio, primeira das duas hidrelétricas do rio Madeira. A renúncia da construtora a esses acordos provoca reviravolta na disputa e libera os demais consórcios para a compra de equipamentos da Alstom, VA Tech e Voith Siemens.

Também está liberada a associação dos consórcios com a General Electric, desde que preservada a confidencialidade das informações trocadas com a Odebrecht - a GE chegou a negociar participação no consórcio liderado pela construtora brasileira, mas acabou desistindo. Camargo Corrêa e Suez Energy, dois dos grupos interessados na concessão de Santo Antônio, reclamavam que os acordos firmados pela Odebrecht restringiam a competição, pois essas empresas são as únicas com tecnologia para fabricar turbinas bulbo (a serem usadas nas usinas do Madeira) com unidades no Brasil.

Na sexta-feira, a Odebrecht encaminhou ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) proposta em que abre mão dos compromissos de exclusividade, apesar de defender que eles são "plenamente legítimos e prática usual de mercado". Ontem, em comunicado, a construtora diz que a iniciativa permitirá que o leilão de Santo Antônio "se realize em ambiente de absoluta tranqüilidade e segurança jurídica". A licitação está prevista para 29 de novembro. Para a Odebrecht, "qualquer novo adiamento colocará em risco a segurança energética e o desenvolvimento sustentável do país".

O Cade havia marcado para hoje sessão em que decidiria sobre a legalidade, do ponto de vista concorrencial, dos acordos de exclusividade com fornecedores. Para ganhar validade, a renúncia aos acordos depende de aval de Furnas - parceira da Odebrecht no consórcio - e de homologação do Cade.

A proposta da construtora, segundo ela, atende integralmente os termos da medida preventiva adotada pela Secretaria de Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça. Essa medida foi contestada judicialmente pela Odebrecht e derrubada pelo Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região. A SDE argumenta que, com a manutenção dos acordos, a energia do Madeira poderia causar prejuízo de pelo menos R$ 8,5 bilhões aos consumidores do sistema interligado nacional, ao longo dos 30 anos de concessão.

O ministro de Minas e Energia, Nelson Hubner, disse, por meio da assessoria, que ficou "muito satisfeito" com a decisão da Odebrecht. Ele afirmou "ter certeza de que isso contribuirá muito para aumentar a competitividade do leilão, o que sempre foi o objetivo do governo". O efeito da renúncia aos acordos de exclusividade, destacou Hubner, será uma tendência de tarifas mais módicas ao consumidor.

Essa é a segunda vez em que, por pressão do governo, a Odebrecht abre mão de contratos assinados com antecedência para os leilões do Madeira. Na primeira, aceitou um aditivo ao contrato com Furnas para permitir que as demais subsidiárias do grupo Eletrobrás pudessem associar-se a empresas privadas. Como resultado, os outros três consórcios conseguiram parceiros estatais. Agora, o novo alvo das concorrentes da Odebrecht deve ser os acordos fechados pela construtora com bancos e seguradoras, responsáveis pelo seguro-garantia que ampara as propostas no leilão.

O Valor apurou que dois fatores foram predominantes na decisão da Odebrecht. O primeiro foi a pressão, exercida nos bastidores, pela ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. Ela tem orientado os integrantes do governo a despejar sua artilharia contra os acordos de exclusividade firmados pela construtora, numa tentativa de baixar os preços da energia no leilão, repetindo o sucesso da licitação de rodovias federais, em que todos os sete lotes apresentaram forte deságio.

Acuada, a Odebrecht julgou que não tinha mais como sustentar politicamente a briga com o governo, apesar de considerar-se munida de argumentos técnicos e legais consistentes. Na prática, a decisão busca evitar o crescimento de um contencioso que, em última instância, por causa da prioridade dada pelo Palácio do Planalto à construção das hidrelétricas do Madeira, poderia atrapalhar muito as relações da Odebrecht em Brasília.

O segundo fator é um cálculo estratégico feito pela construtora em relação às suas chances de vencer a licitação. Vista pelo mercado como favorita para arrematar a concessão da usina Santo Antônio, a Odebrecht sabe que perde vantagem competitiva ao abrir mão da exclusividade com fornecedores. Mas avalia que ainda está bem posicionada na disputa, por ter se preparado previamente para o leilão.

Qualquer que fosse o resultado do julgamento do Cade, hoje, a construtora avalia que haveria recursos judiciais, atrasando o leilão. E novos adiamentos significam mais tempo para que seus concorrentes se preparem para a licitação. Além disso, liminares e contestações judiciais poderiam atrasar indefinidamente o resultado definitivo do leilão.

O Ministério Público já estava preparado para ingressar hoje com pedido de medida preventiva ao Cade para que fossem suspensas as cláusulas de exclusividade . O pedido seria formalizado pouco antes do julgamento do Cade sobre as cláusulas da Odebrecht, marcado para às 14h, em sessão extraordinária do conselho. Com a desistência da Odebrecht, o Cade e os que disputam com a empresa devem rever sua agenda.