Título: Governo impôs um freio de arrumação na Petrobras
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 26/09/2007, Opinião, p. A14

Em entrevista ao Valor publicada na segunda, a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, dá duas importantes sinalizações sobre a posição do governo Lula em relação à reestatização da economia e ao papel das estatais. A primeira é a de que considera as privatizações feitas maciçamente nos governos de Fernando Henrique Cardoso como fatos consumados - sobre o apoio do PT, no seu último congresso, à reestatização da Vale do Rio Doce, reagiu com um "não faz sentido". A segunda é a afirmação da autoridade do Executivo sobre as estatais. Um conceito de que o único compromisso de empresas públicas é com o lucro conferiu a elas uma enorme autonomia em relação ao governo - e, se continuaram estatais depois da febre de privatizações dos anos 90, é porque são estratégicas para o poder público.

A ministra respondeu de forma dura a uma pergunta sobre a recusa da Petrobras de fornecer gás para as termelétricas, alegando que teria prejuízos. Essa obrigação foi definida pelo modelo do setor elétrico por ela formulado no Ministério das Minas e Energia. "Em 2004, avisei que a Petrobras não teria uma segunda chance, não teria perdão", afirmou. E, sobre a hipótese dessa situação persistir, disse: "Então, quem sabe a gente não entrega para outra empresa. A Vale do Rio Doce, por exemplo".

Ao final de uma atenta leitura da entrevista, é difícil defender a tese de que as mudanças na diretoria da Petrobras obedeceram a critérios estritamente político-partidários. A posição da gerente do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) - do qual a garantia de suprimento de energia é uma das premissas - deixa claro que o governo atuou para a estatal se adequar a uma diretriz do governo. Assumiu o lugar de Ildo Sauer na diretoria de Gás e Energia da empresa Maria das Graças Foster, que era presidente da BR Distribuidora. Se é verdade que isso abriu espaço para que a Petrobras abrigasse o ex-presidente da estatal José Eduardo Dutra na BR, é correto também dizer que Dilma assume o controle sobre a política de gás da empresa. Não é uma mudança que atende só a critérios partidários, mas principalmente ao enquadramento da diretoria às diretrizes governamentais.

O modelo energético define que a Petrobras deve fornecer gás natural para as termelétricas sob seu controle e também para as independentes. Os testes da Aneel do esquema emergencial de suprimento das termelétricas foram um fracasso: as geradoras não puderam atender à convocação porque não dispunham de gás para funcionar - a estatal havia vendido o mesmo gás mais de uma vez. Apenas em agosto ela passou a cumprir seus compromissos.

A Petrobras tem, por tradição, desfrutar de uma enorme autonomia gerencial enquanto percebe que há espaço para isso. Não o teve no no governo Geisel, um ex-presidente da estatal com liderança no setor petroquímico e um chefe de governo excessivamente centralizador. Mesmo que Geisel não fosse tudo isso o enquadramento da Petrobras era inevitável, pois teria sido impossível governar em plena crise internacional do petróleo sem que a estatal fosse parte de uma política de governo. Durante o período inflacionário, o poder de definição do preço do combustível pela autoridade econômica também limitou essa autonomia - a Petrobras era parte da política econômica, já que os preços do petróleo eram usados para neutralizar o impacto de outros itens que compunham os índices de inflação.

Quando a tese de privatizar as empresas públicas tornou-se vitoriosa, no início do governo FHC, forjou-se o entendimento de que empresas mantidas na esfera governamental tinham que ser autônomas para dar lucro. Se esse fosse o único papel de uma estatal não teria sentido mantê-la na órbita do governo. O monopólio de fato exercido pela Petrobras em muitas áreas fundamentais para a economia pode produzir deformações nos mercados onde atua se não houverem diretrizes claras de governo que orientem sua atuação. Esta é a preocupação no setor petroquímico. Como estatal, deve assumir o seu papel nas políticas definidas por um governo, este, sim, eleito democraticamente. É claro que, como companhia aberta, a Petrobras não pode ferir os interesses dos demais acionistas, mas há uma longa distância entre produzir bons resultados e arrogar-se o direito de formular políticas com grande impacto sobre todo o país, que só atendem aos seus próprios interesses.