Título: Trabalhador perde com o FGTS
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Fonte: Correio Braziliense, 15/01/2011, Opinião, p. 24

O trabalhador brasileiro perdeu dinheiro em 2010. A correção das contas do Fundo de Garantida do Tempo de Serviço (FGTS) ficou abaixo da inflação do ano. Enquanto o fundo ¿rendeu¿ 3,62%, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a inflação oficial, fechou o ano em 5,91%. O resultado da diferença foi prejuízo de R$ 4,3 bilhões, só no ano passado. Especialistas do Instituto FGTS Fácil lembram que, em 2009, o dinheiro do trabalhador depositado no fundo já tinha se desvalorizado R$ 795,7 milhões. Somadas, essas perdas impuseram aos trabalhadores com carteira assinada uma redução em seu patrimônio de mais de R$ 5 bilhões em apenas dois anos. E isso ocorreu apesar de 2010 ter sido um dos melhores anos de arrecadação líquida do FGTS. O aumento dos empregos formais gerados pelo crescimento da economia tanto turbinou os depósitos quanto reduziu os saques no fundo. Os 88,6 milhões de contas ativas do fundo acumulavam saldo de R$ 185,3 bilhões em novembro.

Inconveniente para o trabalhador, a falta de rentabilidade do FGTS só serve ao governo, que usa e abusa desses recursos como se deles fosse dono. Não é. O FGTS não tem natureza fiscal , trata-se de dinheiro que sai do caixa do empregador direto para a conta do empregado, sem passagem pelos cofres do governo. Não é tributo, embora de recolhimento compulsório. Pertence exclusivamente ao titular da conta, em nome de quem o empregador deposita parcelas mensais equivalentes a 8% do salário pago. Para a maioria dos brasileiros, o FGTS é a única esperança de ter convivência menos desconfortável com a humilhante aposentadoria a que estará submetido no futuro, ou a ajuda com que pode contar para a compra da casa própria.

Nada disso tem comovido governantes, eleitos ou não, desde a criação do fundo em 1967. Até agora, nenhum deles quis abrir mão do FGTS para bancar obras públicas, pagando o aluguel mais baixo e aviltante do mercado. Tampouco se fala seriamente em rever essa escandalosa exploração do dinheiro do trabalhador. É o que explica a insistente negativa do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva de permitir a aplicação livre de parte do FGTS nos investimentos da exploração das jazidas do pré-sal ¿ alardeada pelo próprio governo como o mais promissor negócio do século. O apetitoso saldo dos depósitos do FGTS só costuma ser lembrado para financiar empreendimentos de retorno menor ou duvidoso, sem contar parcelas cada vez maiores ¿ serão R$ 4 bilhões este ano ¿ liberadas a fundo perdido para o financiamento de moradias para a baixa renda, gasto que deveria ser coberto com os impostos.

É difícil para o trabalhador mais humilde entender o que venha a ser a Taxa Referencial de juros (TR), índice que se soma a míseros 3% ao ano (metade do rendimento da caderneta de poupança) para corrigir sua conta do FGTS. Mas se ilude quem pensa que, mesmo não tendo como medir o tamanho da injustiça, o trabalhador não percebe o esbulho. Está aí uma mudança que poderia marcar o governo da presidente Dilma Rousseff: reconhecer a quem pertence o FGTS e permitir que seja administrado conforme os interesses de verdadeiro dono.