Título: Instituto e trabalhadores podem acionar empresas na Justiça
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Fonte: Valor Econômico, 26/09/2007, Especial, p. A16

Enquanto trabalhadores e sindicatos comemoram a mudança na concessão dos benefícios por doença do trabalho, as empresas se assustam. As estatísticas atuais estão sendo engrossadas não só por trabalhadores com novas moléstias classificadas como ocupacionais, explica Luiz Coelho, sócio do escritório Coelho, Morello e Bradfield Advogados. "Os trabalhadores que já recebem auxílios-doença comuns passam periodicamente em perícia do INSS. No reexame, podem ter sua doença reclassificada como ocupacional", diz.

Foi o que aconteceu com dez empregados na fábrica de sucos Del Valle em Americana, interior de São Paulo. Antes afastados por doença comum, quando voltaram para a perícia neste ano, foram classificados como portadores de Lesão de Esforço Repetitivo (LER) decorrente do trabalho na linha de produção. José Moacir Bunho, diretor do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Alimentos de Piracicaba, que tem a cidade de Americana em sua base de representação, diz que era óbvio que a doença desstes trabalhadores estava relacionada às suas funções. "Saem muitas caixas de suco a toda hora, tem que encaixotar, fazer movimentos repetitivos", diz.

A Del Valle, no entanto, não concorda com a nova avaliação do perito do INSS e contesta a decisão. Procurada, a empresa diz, em comunicado, que "não possui nenhuma demanda judicial contra o INSS. A empresa está perfeitamente adequada à legislação previdenciária, neste assunto, e assegura-se disto fazendo acompanhamento mensal através das informações disponibilizadas pelo INSS no site deles."

Um maior número de empregados afastados por doença ocupacional pode significar um passivo judicial no futuro. "Quem causa dano a terceiro tem que repará-lo", diz o diretor de relações sindicais da Fiesp, Roberto Ferraiolo. Há um grande receio de que o INSS venha a cobrar das empresas o valor despendido com os benefícios pagos aos empregados afastados, já que eles são decorrentes do trabalho.

Essa prática do INSS tem se alastrado pelo país, com boa receptividade pelo Judiciário. Remígio Todeschini, diretor do Departamento de Políticas de Saúde e Segurança Ocupacional do Ministério da Previdência Social, não descarta possíveis ações judiciais da Previdência em busca de ressarcimento. "É um assunto a ser resolvido pela procuradoria do INSS, mas essa iniciativa é permitida pela legislação", diz.

As empresas também estão sujeitas às ações judiciais dos empregados. "Os trabalhadores que têm sua doença declarada como decorrente do trabalho fatalmente procuram o Judiciário para cobrar indenização das empresas. E na Justiça do Trabalho o enquadramento do INSS como doença ocupacional é determinante para o ganho de causa do trabalhador", diz Coelho.

O bancário Márcio Miranda, funcionário do Bradesco que teve sua LER classificada como doença ocupacional há um mês, diz que vai ajuizar ação contra o banco para solicitar indenização. Essa é também a orientação do Sindicato dos Bancários de São Paulo, como explica o diretor de Saúde, Walcir Previtale.

Milton Matsumoto, diretor-executivo do Bradesco, diz que o banco adota todas as providências para evitar a doença ocupacional, com controle rigoroso da jornada de trabalho, móveis ergonômicos e uma cartilha de instruções distribuída aos funcionários. "Nós submetemos os trabalhadores a exames três vezes ao ano quando a obrigação legal é de apenas uma vez anualmente."

O problema, diz ele, é que algumas doenças são "difíceis de diagnosticar". "O sintoma da LER, por exemplo, é a dor. E às vezes a doença pode surgir por outros motivos. Porque a pessoa joga tênis ou toca piano, por exemplo." Segundo Matsumoto o banco apresenta até agosto deste ano um número menor de pessoas afastadas por doença ocupacional do que em 2006.

Quando o trabalhador é afastado por doença do trabalho, a empresa deve continuar depositando o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). No momento em que retorna à empresa, tem direito, no mínimo, a um ano de estabilidade. Essas obrigações da empresa não existem quando o afastamento é por doença comum.

Para os sindicatos, o mais importante é que agora o esforço do trabalhador para provar que tem uma doença do trabalho é muito menor do que antes da aplicação do nexo epidemiológico. Theo Oliveira, diretor de saúde do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, conta que as empresas se negavam a emitir a Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT), necessário para que o trabalhador entre no INSS com o pedido do auxílio-doença acidentário. O sindicato, então, emitia a CAT e registrava no INSS. Na maioria das vezes, porém, a perícia não reconhecia a doença como sendo decorrente do trabalho.

Marcel Cordeiro, advogado do Pompeu, Longo, Kignel & Cipullo Advogados, diz que este é o principal ponto do nexo epidemiológico. "Veio para facilitar a vida do trabalhador", porque é comum as empresas colocarem empecilhos para a emissão da CAT. "Agora, não é necessário mais um estudo tão cuidadoso de cada caso, só é preciso que a doença tem o mínimo de nexo com o setor no qual o empregado atua", diz. Para ele, se por um lado isso pode ser bom para os trabalhadores, por outro, pode levar a interpretações precipitadas sobre o que é uma doença ocupacional. Ele diz que a nova legislação permite relacionar fatos que nem sempre estão ligados. Pela lista de doenças, a depressão, por exemplo, é considerada uma doença do trabalho no ramo de extração de minério de ferro. "E como o perito vai provar que a pessoa está depressiva por conta de seu trabalho?", questiona. (RS e MW).