Título: Insegurança jurídica no mercado financeiro
Autor: Lauletta, Andrea B. ; Leite, Farisco R.
Fonte: Valor Econômico, 29/10/2007, Legislaçao & Tributos, p. E2

Se por um lado, faltando pouco mais de dois meses para o término do ano de 2007, o mercado financeiro já pode comemorar o sucesso alcançado no exercício, por outro, vive verdadeira insegurança jurídica causada pela prática cada vez mais corrente da Secretaria da Receita Federal de instituir tratamentos tributários por meio de decisões e atos normativos muitas vezes carentes de bases legais ou até mesmo incompatíveis com leis tributárias em vigor sobre a mesma matéria.

Em maio foi o Ato Declaratório Interpretativo nº 7 que pretensamente acabava com a possibilidade da integralização de cotas de fundos ou clubes de investimento por meio da entrega de títulos ou valores mobiliários pelo seu valor de custo, ao estabelecer a incidência do imposto de renda, à alíquota de 15% sobre ficto ganho de capital - equivalente à diferença positiva entre o valor de mercado dos títulos e o seu respectivo custo de aquisição - gerado pela integralização.

O referido normativo afronta o conceito de renda e a materialização legal do fato gerador do imposto de renda ao pretender tributar um ganho potencial, gerando, de pronto, argumento para que seja validamente questionada sua aplicabilidade. A integralização de cotas de fundos e clubes de investimento pelo valor de custo de títulos e valores mobiliários não "cria" a imediata valorização destes ativos, com o auferimento conseqüente de ganho, e nem gera qualquer disponibilidade jurídica ou econômica, restando postergada esta caracterização no momento da disposição e alienação das cotas dos respectivos fundos e clubes pelo investidor respectivo.

Já em julho foi a vez da Solução de Consulta nº 348 da 8º Região Fiscal, que esclarecia ao respectivo consulente o entendimento quanto à aplicabilidade da sistemática do "come-quotas" para os fundos de investimento constituídos sob a forma de condomínio fechado, contrariando o entendimento unanimemente adotado por gestores e administradores desses fundos e até mesmo a posição expressa das próprias autoridades fiscais quanto à questão - presente no artigo 14 da Instrução Normativa nº 25, de 2001 - de que tal sistemática não deve ser aplicável aos fundos de investimento fechados.

-------------------------------------------------------------------------------- Caso não haja um maior comprometimento com a lei tributária em vigor, a insegurança jurídica tenderá a aumentar --------------------------------------------------------------------------------

Ao pretender aplicar a sistemática do "come-quotas" aos fundos de investimento fechados, o fisco não se atentou para todo o histórico da legislação aplicável ao tema, editando, portanto, um ato ilegal. Ademais, desconsiderou-se a peculiaridade existente nesses fundos quanto à impossibilidade de resgate anteriormente ao término de seu prazo de duração ou de sua liquidação, o que implica a inexistência de disponibilidade jurídica ou econômica de renda até este momento, e, a seu turno, a não configuração do fato gerador até este momento, sendo fadada à ilegalidade qualquer tentativa de tributar a renda em tempo anterior a esta data.

Por fim, e com implicações não menos importantes, citamos o Ato Declaratório Interpretativo nº 13, que estabeleceu a incidência da CPMF na transferência de recursos financeiros decorrentes de sucessão "causa mortis" e reorganização societária, bem como também a incidência do imposto de renda e do IOF quando tais transferências referirem-se a aplicações financeiras.

Este normativo, além de afrontar o fato gerador da CPMF, pois sujeita a essa contribuição hipóteses as quais não envolvem a circulação de moeda, afronta também o fato gerador do imposto de renda e do IOF ao considerar fictamente a existência de resgate da aplicação financeira nos eventos de sucessão "causa mortis" e reorganização societária. Mesmo que abstraída a patente ilegalidade das disposições constantes do Ato Declaratório Interpretativo nº 13, tal normativo não fugiria de ser alvo de críticas por ser pouco elucidativo no que tange à sua aplicação, ao não esclarecer aos contribuintes questões vitais como o momento em que se considera ocorrida a sucessão "causa mortis" ou a reorganização societária, dentre uma série de outras.

O que se pode concluir é que, caso não haja um maior comprometimento com a legislação tributária em vigor quando da edição de decisões administrativas e atos normativos, a mencionada insegurança jurídica tenderá a aumentar, significando um enorme prejuízo ao país, seja em razão da captação de importantes capitais estrangeiros e desenvolvimento do mercado financeiro e de capitais brasileiros, seja em razão da geração de discussões judiciais desnecessárias que acabam por tornar ainda mais lento nosso Poder Judiciário.

Andrea Bazzo Lauletta, Priscila Farisco Rocha Leite e Camila Leão Borges são, respectivamente, sócia e advogadas do escritório Mattos Filho Advogados

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