Título: A preços de 2002, saldo seria US$ 12,4 bi menor
Autor: Lamucci , Sergio
Fonte: Valor Econômico, 01/10/2007, Brasil, p. A3

Se os preços de exportações e importações tivessem se mantido nos níveis de dezembro de 2002, o Brasil teria hoje um superávit comercial bem mais modesto, que transformaria em déficit o saldo positivo em conta corrente. Segundo cálculos do professor Nelson Marconi, da Fundação Getúlio Vargas (FGV) de São Paulo, no primeiro semestre, em vez de um saldo positivo de US$ 20,638 bilhões, o número seria de apenas US$ 8,237 bilhões caso as cotações das compras e vendas externas continuassem nos patamares do fim de 2002. Com isso, o resultado em conta corrente (a balança comercial, a de serviços e as transferências unilaterais) de janeiro a junho teria sido deficitário em US$ 8,018 bilhões, muito diferente do superávit de US$ 4,383 bilhões efetivamente registrado no período.

Para Marconi, o exercício mostra que uma queda de preços das exportações brasileiras pode produzir uma deterioração relativamente rápida da conta corrente. Ele reconhece que a hipótese de estabilidade de preços é uma "suposição forte", mas diz que ela é válida para mostrar o impacto do avanço das cotações sobre o comércio exterior nos últimos anos. De 2003 para cá, o mundo passou a crescer a taxas muito significativas, o que fez o comércio global aumentar fortemente e levou às alturas os preços de commodities.

Segundo Marconi, o resultado da simulação mostra ainda que o impacto dos preços foi maior no caso das exportações do que no das importações, que foram mais afetadas pela alta das quantidades. De dezembro de 2002 a junho de 2007, os preços das vendas externas aumentaram 61,1%, enquanto o volume cresceu 56,6%, de acordo com números da Fundação Centro de Estudos de Comércio Exterior (Funcex). No caso das importações, as cotações subiram 41,8%, ao passo que o volume teve alta de 91%. "Se os preços internacionais caírem, as exportações serão mais prejudicadas que as importações", diz Marconi, também professor da PUC-SP.

Para ele, o papel fundamental dos preços nas vendas externas confirma "a idéia de que não houve estratégia clara de estímulo às exportações por parte do governo, apesar de algumas iniciativas pontuais do Ministério do Desenvolvimento". O que ocorreu, segundo ele, foi "o aproveitamento de um cenário internacional favorável de crescimento da demanda, que estimulou os preços". Com as cotações de 2002, o superávit comercial de 2006 teria sido de US$ 24 bilhões, 51,6% menor que os US$ 46,4 bilhões efetivamente registrados.

Um outro sinal da importância do aumento de preços na virada das contas externas brasileiras é o crescimento da participação dos produtos básicos na pauta de exportações. Muito influenciados pela variação das cotações, esse produtos respondem atualmente por 34% das vendas externas do país, bem acima dos 24,2% registrados em dezembro de 2002, como lembra o economista Chau Kuo Hue, da LCA Consultores. O que mais encolheu foi a participação dos produtos manufaturados, que recuou de 59,2% em 2002 para os atuais 50,2%.

Esses números mostram que uma piora mais forte dos preços de produtos básicos afetaria de fato a balança comercial, uma vez que as commodities ganharam mais importância na pauta de exportações, diz Chau. De 2002 a 2006, as cotações dos produtos básicos aumentaram 63,2%, de acordo com números da Funcex. Ele ressalta, porém, que as quantidades exportadas de básicos também tiveram alta expressiva, de 45,4% no período. "O cenário externo foi muito positivo a partir de 2003, o que levou à alta dos preços e das quantidades exportadas", diz Chau, lembrando a combinação formada por fatores como os juros internacionais em níveis baixos, a ascensão mais forte da China e a baixa aversão global ao risco. Separar a alta dos preços e dos volumes exportados é complicado, avalia ele. Um aumento da demanda que eleve as quantidades vendidas tende a causar, em muitos casos, também uma alta das cotações.

A maior parte dos analistas não aposta em quedas expressivas dos preços de commodities. O economista Paulo Miguel, sócio da Quest Investimentos, considera mais provável que o mundo ainda cresça a um ritmo razoável em 2008. Os EUA devem perder fôlego, na esteira da crise do mercado imobiliário, mas outros motores da economia global, especialmente a China, tendem a continuar a crescer com robustez, diz ele. Nesse cenário, as perspectivas para as cotações de commodities continuarão positivas, o que é favorável para as exportações brasileiras. Miguel prevê um saldo comercial de US$ 41,5 bilhões neste ano. Para 2008, ele trabalha com a possibilidade de uma redução do superávit para US$ 35 bilhões.

Chau destaca ainda um outro fator que torna a balança comercial menos vulnerável a uma desaceleração americana: nos últimos anos, houve uma diminuição considerável da participação dos EUA como destino das exportações brasileiras. Em 2002, os Estados Unidos recebiam 25,7% das exportações brasileiras, número que caiu para 15,8% no período de janeiro a agosto. No mesmo intervalo, a participação da China aumentou de 4,2% para 7% e a da Argentina, de 3,9% para % 8,8%. Isso evidencia que um menor crescimento nos EUA teria menos impacto sobre as exportações brasileiras do que há cinco anos.