Título: Emprego não acompanha crescimento do NE
Autor: Salgado, Raquel ; Mandl ,Carolina
Fonte: Valor Econômico, 01/10/2007, Brasil, p. A7

As regiões Sudeste e Sul do país responderam por nada menos do que 81% dos postos com carteira assinada criados no país neste ano. O percentual é maior do que o peso dessas áreas no Produto Interno Bruto (PIB), atualmente de 73%. Movimento oposto foi verificado nas regiões Norte e Nordeste, que, apesar do impulso do mercado interno, que movimenta a economia da região, viu o emprego reagir de forma mais lenta.

Entre janeiro e agosto deste ano, a quantidade de empregos formais abertos no Brasil supera os 1,35 milhão, número 12,3% maior do que o resultado do mesmo período de 2006. Só o Sudeste contribuiu com 879,2 mil, 65% do total de vagas criadas. O ramo de atividade que encabeça a geração de emprego tanto no país como no Sudeste, é o dos serviços, com 33,5% dos novos postos. Só os Estados de Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo concentram 70% dos empregos nos serviços abertos entre janeiro e agosto.

Já o Nordeste respondeu neste ano, até agosto, pela abertura de 6,16% das vagas formais criadas no país, o que representou 83,6 mil. Esse percentual não chegou a acompanhar a representatividade do PIB da região, que é de cerca de 14% do total do país.

Ainda que a indústria apareça em segundo lugar no que diz respeito à concentração dos postos de trabalho abertos no país, o setor industrial ainda é o que engloba os trabalhos de melhor qualidade. É justamente nesse ramo que o Sudeste e o Sul deixam bem para trás as demais regiões, concentrando 90% dos novos empregos.

Carlos Cavalcanti , ex-economista-chefe do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp), explica que embora a indústria do Sudeste tenha perdido participação no total do país nos últimos anos, os principais ramos de produção da região ainda são os mais complexos e os que movimentam maior número de cadeias produtivas. "Além de impulsionarem o setor de serviços, que, no Sudeste, também é mais especializado e gera melhores empregos", diz.

A indústria de calçados, por exemplo, se transferiu para o Nordeste em busca de incentivos fiscais e de mão-de-obra mais barata. Ela, no entanto, dinamiza poucos setores industriais. "É praticamente só o curtimento de couro e, dependendo do calçado, a produção de plástico", diz Cavalcanti. A indústria automobilística, que carrega uma larga gama de fornecedores, segue preferindo o Sul e o Sudeste. "Só a Ford foi para o Nordeste. E depois dela, ninguém mais seguiu o exemplo." Para ele, enquanto a mão-de-obra e a logística dos Estados sulistas e do Sudeste forem melhores, dificilmente a distribuição da indústria no país sofrerá alterações significativas.

Carlos Magno, professor de economia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e consultor da Datamétrica, também acredita que o descompasso entre o crescimento do emprego no Nordeste e do Sul e do Sudeste acontece por causa da estrutura econômica da região. "Apesar de o consumo estar crescendo bastante por aqui, muitos dos produtos consumidos ainda são fabricados em outras partes do país. Por isso não se sente um impacto tão grande na geração de empregos", explica. Bens como aparelhos eletrônicos, automóveis e eletrodomésticos - muito beneficiados pela expansão do crédito - ainda são produzidos de forma bastante tímida no Nordeste.

Há três setores industriais, entretanto, que têm forte presença nos Estados nordestinos: alimentos e bebidas, têxteis e calçados. E que, impulsionados pela melhora da renda e expansão do crédito, têm mostrado bons resultados. O ramo têxtil foi um dos que mais criaram postos de trabalho entre janeiro e agosto deste ano, com 7,4 mil vagas, mesmo com o câmbio desfavorável à exporta

.ção e aumentando a concorrência com os importados.

A confecção Babilônia, do Recife, empregou neste ano 126 pessoas. A produção passou de 120 mil peças mês no ano passado para 180 mil unidades mensais em 2007. "Já estou com toda a capacidade da fábrica tomada até janeiro de 2008. Não posso mais aceitar pedidos", afirma Múcio Azevedo, diretor de vendas da Babilônia. O executivo não sabe precisar a razão para esse crescimento, mas diz que a demanda tem partido das grandes redes varejistas.

No setor de alimentos e bebidas, os dados do Ministério do Trabalho e Emprego mostram que o Nordeste mais demitiu do que admitiu pessoas neste ano até agosto. Foram 17,9 mil postos de trabalho fechados. Isso, porém, pode estar relacionado a um problema sazonal de um setor, o de álcool etílico, também contabilizado pelo ministério dentro da indústria de alimentos e bebidas. A safra de cana-de-açúcar no Nordeste, período em que as pessoas são empregadas, vai de setembro a fevereiro. Dessa forma, o levantamento pegou um período de contratação e outro de demissão.

"Provavelmente, esse é um efeito sazonal, já que os dados de produção de alimentos e bebidas apontam crescimento no Nordeste", explica Carlos Magno, professor da UFPE. Dados do IBGE mostram que de janeiro a julho, a produção física industrial desse segmento cresceu 8,94% nos Estados nordestinos, segundo o IBGE.

O descompasso entre a geração de empregos nas regiões do país acontece há muitos anos e deriva das diferentes estruturas produtivas de cada Estado. Neste ano, apesar de a indústria do Nordeste não mostrar, no agregado, números tão positivos, o saldo de postos gerados com carteira assinada até agosto é menos negativo do que o do mesmo período do ano passado (-17,9 mil ante -20,4 mil vagas).

Norte e Nordeste só ganharão maior peso no mercado formal de trabalho brasileiro quando a estrutura de produção industrial for mais diversificada e quando a mão-de-obra formada nessas áreas se tornar mais especializada. A avaliação é de Fábio Romão, economista da LCA Consultores.

Romão acredita, contudo, que já foi dado um primeiro passo rumo à mudança. Um grande empecilho para instalação de grandes empresas nesses locais, explica, era a falta de mercado consumidor. Como a economia dos Estados nordestinos e nortistas se aqueceu muito com os reajustes no salário mínimo, que impactaram também quem recebe aposentadoria, e com os programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, o mercado comprador se ampliou e atraiu novos investimentos. "Uma mudança significativa na correlação de forças da produção nacional ainda vai levar pelo menos meio século para acontecer, mas algumas transformações começaram", diz Carlos Cavalcanti.